Internacional
Quem são os trabalhadores que arriscam as vidas para recuperar a rede de telefonia celular em Gaza
Por vezes sob fogo cruzado e ameaça de prisão, funcionários de empresa palestina de telecomunicações encaram reparos como 'missões' vitais para a população
Quando Mohammed Sweirky se preparava para uma viagem, em janeiro, para reparar infraestruturas de telecomunicações destruídas no Norte da Faixa de Gaza, sua mulher e filhos imploraram para que não fosse.
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Os combates entre as forças de Israel e do grupo terrorista Hamas ainda aconteciam na área, afirmou Sweirky, que é um técnico da Paltel, a maior companhia do setor de telecomunicações em Gaza, e sua família temia que não voltasse. Mas ele disse sentir que não tinha escolha, uma vez que os moradores precisavam desesperadamente do retorno dos serviços telefônicos.
— Foi doloroso dizer adeus — disse Sweirky, que deixou a Cidade de Gaza no começo da guerra e está abrigado com seis parentes em uma garagem de Rafah, no Sul do território. — Eles estavam chorando, mas não podia abandonar minha missão
Desde o começo da guerra, o trabalho de Sweirky se transformou em um dos mais perigosos em Gaza, mas também um dos mais importantes. Os bombardeios israelenses devastaram a infraestrutura de telecomunicações em Gaza, destruindo cabos subterrâneos, danificando centros de dados e explodindo torres de celular.
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Ao todo, são 50 engenheiros e técnicos da Paltel, uma das duas operadoras em Gaza, que cruzam o enclave para restaurar os serviços em vizinhanças que enfrentam quedas de serviço por dias e até semanas. A empresa é dependente de linhas que passam por Israel, e reparar os danos se mostrou um risco enorme para os funcionários da empresa, que por vezes trabalham perto de combates e também foram alvejados.
Pelo menos dois empregados da Paltel foram mortos em serviço, de acordo com a companhia e com o Ministério das Telecomunicações da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Outros 16 morreram desde o começo da guerra.
As suspensões de serviço abalaram de maneira crucial a capacidade dos palestinos de pedir ajuda, de reportar sobre eventos em curso, coordenar a entrega de ajuda e falar com amigos e parentes no exterior. As chamadas por vezes vão para a caixa de mensagens e, quando conseguem se conectar, o sinal é fraco.
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Um executivo da Paltel e a ANP culpam a baixa conectividade nos ataques aéreos e estradas devastadas, provocando danos à infraestrutura na superfície e debaixo da terra.
Mas o executivo, Mamoon Fares, chefe da comissão de emergência da empresa, disse que Israel suspendeu as comunicações em Gaza em três ocasiões. Ele afirmou ter chegado a essa conclusão porque a rede foi restaurada mais tarde sem qualquer intervenção local. Os militares israelenses não comentaram.
Fares afirmou que dezenas de quilômetros de cabos de fibra ótica foram destruídos, dois dos quatro centros de dados foram desconectados e mais de 100 torres derrubadas em meio aos combates.
Antes dos funcionários da empresa entrarem em áreas controladas pelos israelenses, a Paltel manda seus nomes, identidades e placas dos veículos para organizações internacionais e funcionários palestinos, que transferem os dados para os israelenses. Depois de conseguirem a permissão para embarcar em um projeto, os profissionais escutam instruções dos israelenses, incluindo rotas específicas traçadas em mapas.
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Mas houve alguns sustos e um incidente mortal.
Em meados de dezembro, uma equipe se viu no meio do fogo cruzado. Eles tentavam reconectar um cabo subterrâneo em Khan Younis quando os combates entre os soldados israelenses e militantes começaram, disse Kamel Amsy, engenheiro da equipe. Com medo, eles se deitaram no chão enquanto as balas passavam sobre suas cabeças.
— Os tanques estavam enlouquecidos — disse. — A situação era assustadora.
Quando Fares ligou para os palestinos para pedir que os israelenses fossem informados de que seus funcionários estavam na linha de tiro, de acordo com o protocolo estabelecido, ele recebeu a ordem para que a equipe permanecesse onde estava.
Meia hora depois, um soldado surgiu em um tanque e disse aos técnicos que seguissem para leste, mas não havia como passar com os veículos por uma cratera, Amsy recorda. Temendo por suas vidas, dirigiram para oeste até que conseguiram escapar. No dia seguinte, eles terminaram o trabalho, que tinha como objetivo retomar a conectividade ao Sul de Gaza após dias sem sinal.
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Ao serem questionados sobre o incidente, o Exército de Israel disse que deu permissão aos técnicos para que trabalhassem na área, mas depois disse que não viessem por causa de “atividades operacionais” ali. Os militares disseram ainda que não sabia que os tanques estavam disparando contra a equipe, enfatizando que eles não eram alvos.
Em outro incidente em dezembro, Nader Abu Hajjaj, um técnico de Khan Younis, estava consertando cabos e trocando baterias em um prédio na sua cidade natal quando disse ter sido atingido por ataques aéreos.
— Foi um desastre — afirmou, em entrevista concedida em janeiro. — Nós coordenamos nossos movimentos, mas mesmo assim atiraram na gente.
Os militares disseram que o alvo era uma posição de ataques antitanque, no terraço de um prédio, e que o fogo foi suspenso depois da informação de que funcionários da Paltel estavam presentes.
Duas semanas depois, a sorte dele foi diferente. Ao retornar de um trabalho em Khan Younis, seu carro foi atingido por um disparo de um tanque, o matando e a seu colega, Bahaa al-Rayes.
O Exército israelense disse que estava investigando o caso. COGAT, a agência responsável pelo contato com os palestinos, confirmou que a Paltel havia coordenado os movimentos de Abu Hajjaj e al-Rayes, e que havia realizado dezenas de missões de reparos anteriormente sem qualquer incidente.
Reparo levará 'anos'
Embora a Paltel não saiba exatamente a extensão dos danos aos seus equipamentos em Gaza, Fares diz que 80% de sua rede estava fora do ar, incluindo uma parte considerável de itens que precisam ser trocados. Ele prevê que levará anos até reparar toda a rede, e que isso dependeria do ritmo do processo de reconstrução.
Um grande desafio, explica, é o bloqueio do envio de equipamentos para o território, feito por Israel, barrando itens como antenas, cabos de fibra ótica e antenas de microondas.
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Eyhab Esbaih, funcionário do ministério de telecomunicações, disse que as discussões estavam sendo realizadas com Israel através de mediadores, para permitir que esses equipamentos entrem em Gaza. Assim como Fares, ele disse que esses itens não estão chegando por ali.
A COGAT disse que estava permitindo a entrada de peças de reposição, mas não especificou o que foi enviado. Integrantes do governo israelense têm sido relutantes em liberar itens que consideram ser de uso duplo, ou seja, que podem ser usados em atividades civis e militares.
Os técnicos também mostram descontentamento com os encontros com as forças israelenses. Em dezembro, Amsy e Sweirky disseram que vários técnicos foram detidos sob a mira de armas em um trabalho no norte de Gaza. Amsy afirmou que eles foram vendados e algemados antes de serem acusados de filmarem a área. Ele disse que só foram liberados depois de convencer os soldados de que estavam ali autorizados pelos militares.
— Foi muito humilhante — disse Amsy. — Você tenta fazer seu trabalho, mas não eles não têm qualquer respeito.
Sobre o episódio, o Exército israelense não comentou sobre as ações descritas de seus soldados, tampouco confirmou o incidente. Ao invés disso, afirmou que todos os detidos devem “ser tratados com respeito e dignidade”.
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