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Na Nova Zelândia, idosos criam 'clubes de caixões' para discutir sobre a morte sem tabus

Nos clubes, os participantes se juntam para construir o próprio caixão de forma customizada

Agência O Globo - 18/03/2024
Na Nova Zelândia, idosos criam 'clubes de caixões' para discutir sobre a morte sem tabus
Na Nova Zelândia, idosos criam 'clubes de caixões' para discutir sobre a morte sem tabus - Foto: Reprodução / internet

Na Nova Zelândia, alguns idosos resolveram se juntar para decidir como vai ser sua última morada: os caixões onde serão enterrados. Nos chamados "clubes dos caixões", os participantes compartilham risadas enquanto tomam o chá e falam despreocupadamente do além.

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Na preparação do lugar onde descansará eternamente, Kevin Heyward decidiu dar ao seu caixão o aspecto de um Austin Healey, um automóvel desportivo dos anos 1950.

— Foi minha filha quem teve a idia — explica com um sorriso o idoso de 79 anos, apaixonado por carros.

Seu caixão já está completamente equipado: volante falso, para-brisas, pneus de borracha com rodas de aço, para-lamas de madeira, capô, portas laterais e espelhos. O pesado caixão, com seis alças de madeira, tem inclusive faróis funcionais, explica Heyward à AFP, na oficina do Clube de Caixões de Hastings, na Ilha Norte da Nova Zelândia.

— Pesa bastante e sou um homem corpulento. Já disse a meus seis netos que devem começar a treinar, porque terão que levá-lo algum dia — brinca ele.

Este é um dos quatro clubes que existem na Nova Zelândia. O primeiro foi inaugurado em 2010 em Rotorua, na Ilha Norte. Alguns chegam a ter oficialmente até 800 sócios.

Jim Thorne, outro participante do clube de Hastings, é um entusiasta de motos de 75 anos que resolveu usar suas habilidades de marceneiro para construir um caixão com um circuito de motos pintado. Ele conta que maioria de seus amigos "ficam um pouco chocados e dizem 'por que faz isso?'" quando descobrem seu hobby incomum.

— É a minha contribuição para os meus últimos dias — responde.

"Morrer de vontade de um caixão"

— Algumas pessoas têm uma mentalidade de que [a morte] é um tabu do qual elas acham muito, muito complicado falar — diz Thorne, acrescentando: — Elas geralmente superam isso. Afinal, é uma realidade da vida.

Por isso, para quebrar o gelo com os novos, ele diz que costuma perguntar: "Estão ansiosos para ter um caixão?" O ambiente do clube está longe de ser mórbido, com direito a muitas piadas na hora do chá.

— Somos um pouco especiais, mas somos felizes. Sempre há muitas piadas — afirma Helen Bromley, secretária do clube, que também oferece um espaço para falar sobre a morte uma vez por semana. — Creio que todos aqui aceitaram que vão morrer, seja decorando seu caixão ou ajudando outros com os seus — explica.

Um dos motivos que levam membros a se juntar ao clube é evitar que seus familiares tenham custos funerários. Em média, um funeral na Nova Zelândia custa US$ 10 mil dólares neozelandeses (R$ 31.036,58), de acordo com a Associação Nacional de Diretores de Funerárias. Os preços dos caixões variam entre 1.200 e 4.000 dólares neozelandeses.

"Lembrem-se de mim"

Por uma assinatura de 30 dólares neozelandeses, o clube de Hastings oferece a cada sócio um caixão de madeira prensada, disponível em quatro tamanhos e pronto para ser decorado. Durante a pausa para o chá, Bromley anuncia que um membro com câncer está sob cuidados intensivos após uma queda. O seu irmão pediu ao clube para dar prioridade ao caixão.

O clube também fabrica urnas para cinzas, que vendem ao crematório local, e caixões para crianças, que doam.

— As parteiras e enfermeiros do hospital de Hastings nos pedem para nunca deixarmos de fabricar esses pequenos caixões — conta a secretária.

Os membros também tecem cobertores, bichos de pelúcia, travesseiros e corações para os caixões infantis.

Christina Ellison, de 75 anos, explica que perdeu uma menina e que se confortava ao saber que o clube ajuda outras famílias aflitas pela perda de um filho. Ellison se mudará em breve, mas planeja levar consigo seu caixão de cor cinza azulada, batizado como "Remember Me" (Lembrem-se de mim).