Internacional
Diáspora russa em Berlim protesta contra Putin pedindo democracia e paz
Na Alemanha, jovens emigrados para escapar da perseguição e do recrutamento atenderam ao chamado de Navalny e sua viúva
Em crescimento desde o início do conflito na Ucrânia, a diáspora russa se juntou ao movimento de oposição “Meio Dia sem Putin” contra o presidente Vladimir Putin no domingo, último dia das eleições presidenciais da Rússia. Ativistas e organizações da sociedade civil russos operando no exterior convocaram eleitores a levantarem as bandeiras pró-democracia e antiguerra em várias cidades do mundo, sempre na frente dos postos onde poderiam votar no pleito deste fim de semana, amplamente considerado como fraude por opositores do Kremlin.
Na Alemanha, que reúne uma das maiores comunidades de emigrados russos na Europa e no mundo, os eleitores compareceram em massa para votar. A fila que levava à embaixada russa em Berlim, um dentre dois locais de votação no país, chegava a durar cinco horas. Pontos de votação também tinham centenas de eleitores na fila em vários países, incluindo Austrália, Japão, Armênia, Casaquistão e Reino Unido, reportou a agência Reuters.
Predominava o clima anti-Putin, e um protesto organizado por uma coalizão de ativistas russos - em alinhamento com pares de várias cidades dentro e fora da Rússia - reuniu uma pequena multidão primeiro em frente a um palco e, depois, para uma marcha. Segundo organizadores e manifestantes, o objetivo era criar um espaço de resistência e solidariedade dentro de uma comunidade silenciada dentro da Rússia e, depois, atomizada pelo autoritarismo do governo Putin.
— Quisemos dar às pessoas a oportunidade de ver umas as outras. É muito importante que as pessoas vejam que não estão sozinhas — disse Yulia Abdullaeva, uma das organizadoras do protesto em Berlim. — Muitos de nós não reconhecemos Putin como presidente e não o queremos pelos próximos seis ou 12 anos.
Em sua maioria jovens, os russos presentes seguravam slogans contra Putin e bandeiras com faixas em azul e branco - uma adaptação da bandeira russa, que leva também o vermelho, associado pelos manifestantes ao sangue e, por isso, retirado do protesto por uma Rússia pacífica. Repetidamente entoaram, em russo e alemão, slogans como “Não à guerra” e “Essas não são eleições”.
Viúva de Navalny é aplaudida
Uma instalação foi montada para que os transeuntes, russos ou não, tivessem a oportunidade de triturar cédulas falsas e “sentir o gosto da ‘democracia’ russa”. Nos papeis, estavam os nomes de todos os candidatos concorrendo nas eleições deste ano e, também, o de Alexei Navalny, opositor russo morto em fevereiro em uma prisão do Ártico. Putin, ali, era descrito como “corrupto, ditador e criminoso de guerra”. Por volta das 13 horas, as 1.500 cópias das cédulas falsas inicialmente impressas pelos organizadores já se provavam insuficientes.
Voluntária no protesto junto ao movimento Free Navalny (Navalny Livro, na tradução do inglês), Anna Gorbunova, de 30 anos, fugiu da Rússia em 2022 após ter sido detida por participar de um protesto de oposição. Ela, que não exercia nenhuma atividade política, foi condenada a pagar uma multa e, depois, continuou a ser perseguida pela polícia. Perguntada por que decidiu participar do protesto, ela deu uma resposta semelhante à de outros russos ouvidos pelo GLOBO: “Por que eu posso”.
— Meus amigos na Rússia não podem fazer o mesmo. Eu sofri perseguição política, e minha família ainda não acredita que isso possa ter acontecido comigo. Eu não sabia o que esperar, então eu fui embora enquanto ainda era tempo. Permanecer lá e calada não era uma opção para mim.
Antes da votação, eleitores de oposição na Alemanha se dividiam entre votar em qualquer adversário de Putin — a escolha mais popular parecia ser Vladislav Davankov, do Novo Povo, que sugeriu ser favorável a negociações de paz, ao fim da censura e ao retorno de dissidentes no exterior - ou não votar em nenhum candidato, sem aderir às eleições consideradas fraudadas. Vários eleitores disseram ter feito um voto de protesto, que poderia incluir marcar os nomes de dois ou mais candidatos cujos nomes aparecessem na cédula, escrever palavras anti-Putin ou o nome de Navalny.
Os protestos dentro e fora da Rússia foram encorajados por Navalny antes da sua morte e por sua viúva, Yulia Navalnaya, que passou várias horas do dia na fila para votar na embaixada russa em Berlim. As menções ao opositor no protesto da capital alemã eram frequentes, e a multidão ao redor de Navalnaya a aplaudiu e gritou “obrigado” para ela em russo. Ela abraçou e conversou com jovens russos emocionados e tirou uma selfie na fila.
Também esteve presente no protesto Mikhail Khodorkovsky, crítico do Kremlin que já foi o homem mais rico da Rússia e passou dez anos preso por evasão fiscal e roubo após fundar partidos de oposição.
Munido de visibilidade e poder de articulação internacional no Ocidente, embora de quase nenhuma esperança de impactar as eleições, o ativismo dos russos que saíram de casa virou uma pedra no sapato de Putin. Em Berlim, os organizadores — que afirmam integrar uma rede voluntária e apartidária — relataram ao GLOBO que funcionários da embaixada russa regularmente apareceram para monitorar os seus protestos ao longo dos últimos dois anos.
A imprensa russa reportou neste ano que diplomatas de Moscou pediram a proibição do protesto de domingo, e o site de convocatória para os protestos, intitulado Stop Putin 2024 (Pare Putin 2024, na tradução do inglês) foi bloqueado na Rússia pelo Roskomnadzor, órgão executivo federal que controla a mídia. A mídia independente russa acusou ainda o Kremlin de tentar dificultar o voto no exterior, reduzindo o número de locais de votação por alegados motivos de segurança.
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