Internacional
Suécia entra oficialmente na Otan; entenda o que isso significa para a aliança
País permitirá um controle quase total do Mar Báltico, assim como uma maior proteção das ex-repúblicas soviéticas da região; Rússia prometeu resposta 'técnico-militar'
A confirmação da Suécia como o 32º membro da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, não marcou apenas mais um passo na expansão recente da organização, que em 2023 incorporou a Finlândia, mas também quebrou doutrinas históricas de Defesa e promete mudar a própria forma como são estruturadas suas estratégias.
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A decisão foi ligada diretamente à invasão russa da Ucrânia, e embora a Suécia não compartilhe fronteiras com os russos, Moscou mostrou insatisfação com a entrada dos dois novos países, e prometeu tomar “medidas técnico-militares”, sem indicar o que isso significa na prática. Entenda o que a nova expansão da Otan rumo ao Mar Báltico significa para a aliança militar e para a própria segurança coletiva da Europa.
Quebra de um tabu
Até o começo do século XXI, a Suécia adotava uma postura de neutralidade em conflitos armados, herdada das Guerras Napoleônicas do século XIX, pela qual o país demonstrava que não entraria em conflitos armados, mesmo que fossem perto de suas fronteiras. Na Primeira Guerra Mundial, apesar de um viés inicial pró-Alemanha, essa postura foi abandonada antes do fim das hostilidades, sem a participação de tropas locais. Na Segunda Guerra, a Suécia conseguiu, além de manter a neutralidade, ficar fora dos planos de Adolf Hitler, e ainda se tornou um porto seguro para refugiados vindos de nações escandinavas invadidas.
Teoricamente, avaliam especialistas, a neutralidade sueca chegou ao fim em 1995, quando o país entrou para a União Europeia (algo que a igualmente neutra Finlândia fez no mesmo ano, mas a Suíça não cogita fazer), e quando começaram a surgir os primeiros acordos de cooperação em Defesa no continente e com os EUA. Em 2011, A Suécia integrou a coalizão da Otan na intervenção militar na Líbia, que levou à queda do ditador Muammar Gaddafi. Com as ameaças russas que antecederam a invasão, o sentimento popular sobre a derrubada da política de neutralidade começou a virar, favorecendo a adesão à Otan, levando à candidatura conjunta com a Finlândia, em maio de 2022. Vencidas as resistências de Turquia, ligadas à presença de figuras consideradas terroristas em solo sueco e à venda de caças F-16 dos EUA, e da Hungria, associadas a questões internas e financeiras, a Suécia recebeu o sinal verde para a adesão nesta quinta-feira.
Capacidade militar
Ao contrário de outros novos membros, a Suécia não chega de “mãos abanando”. A política de neutralidade de mais de dois séculos não impediu a criação de uma indústria armamentista forte e com tecnologia de ponta. Os caças F-39 Gripen foram a escolha do governo brasileiro para modernizar a frota da Força Aérea, e são usados por Hungria e Reino Unido. Na Ucrânia, para onde Estocolmo enviou, desde fevereiro de 2022, R$ 14,4 bilhões em ajuda militar, o míssil antitanque AT4 se mostrou uma arma mortal contra as forças russas, assim como os mísseis RBS15, usados contra navios. Um ponto forte é a Marinha, uma das mais antigas do mundo, que conta com quatro submarinos, além de corvetas, navios de combate e navios caça-minas, com a capacidade de patrulhar todo o Mar Báltico. Os recorrentes exercícios militares conjuntos com a Otan também facilitam a integração técnica e organizacional.
Apesar de ter uma força terrestre de 50 mil soldados, a maior parte reservistas, e de ter um gasto de Defesa considerado pequeno para os padrões da aliança, 1,3% do PIB em 2022, as autoridades locais estipularam como meta chegar aos 2% “ideais” da Otan, e sinalizaram que não faltará financiamento. Segundo o comandante supremo das Forças Armadas, Micael Byden, esse patamar deve ser atingido até 2026, ou antes, caso as condições macroeconômicas permitam.
Criação do 'Lago da Otan'
Talvez o mais celebrado feito da entrada da Suécia na aliança militar seja que, agora, a Otan controla praticamente toda a costa do Mar Báltico, com exceção do enclave de Kaliningrado e da costa da Rússia, onde se localiza São Petersburgo, de onde saem exportações de gás e petróleo. Com Finlândia e Suécia na Otan, a capacidade de coordenação entre os países da região aumenta, possibilitando uma vigilância mais minuciosa, ainda mais em momentos de tensão entre Moscou e o Ocidente.
Para as ex-repúblicas soviéticas do Báltico — Letônia, Estônia e Lituânia — a criação do “Lago da Otan”, como tem sido chamado por analistas o Báltico, também é uma garantia a mais contra um eventual ataque vindo da Rússia ou da Bielorrússia. A ilha de Gotland, por vezes apelidada de “porta-aviões sueco”, fica a apenas 200km da costa da Lituânia, possibilitando ações rápidas de defesa e o envio de suprimentos aos países. Em um cenário extremo, a Suécia poderia, ao lado dos demais países da Otan, exercer um bloqueio naval a Kaliningrado, que hoje depende quase que inteiramente das rotas navais e aéreas para se ligar ao resto da Rússia.
Postura anti-Rússia da Europa
Em 2019, em uma entrevista à Economist, o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que o mundo estava vendo a Otan “entrar em um estado de morte cerebral”, em meio aos ataques recorrentes do então presidente americano Donald Trump à aliança. Hoje, com uma inesperada expansão rumo ao Báltico, e com a resposta conjunta dos membros à invasão de Putin, é possível dizer que a Otan, assim como o continente europeu, se uniu com sucesso contra aquela que é a maior crise de segurança na região desde o fim da Guerra Fria.
A aposta de Putin, que no começo dos anos 2000 sugeriu a entrada da Rússia na aliança, no desmantelamento desse mecanismo militar deu errado, apesar dos visíveis sinais de desgaste, majoritariamente ligados a questões domésticas. A eleição nos EUA em novembro e o cada vez menor ímpeto de Washington (e outras capitais europeias) em dar dinheiro a Kiev ainda são pontos frágeis, que podem eventualmente ser equilibrados com a entrada de dois membros que estão dispostos a incrementar seus gastos com Defesa.
Resposta russa?
— Nós vamos monitorar de perto o que a Suécia fará neste bloco militar agressivo, como vamos perceber sua adesão na prática. Com base nisso, vamos construir nossa resposta com passos retaliatórios técnico-militares e de outra natureza — afirmou, no dia 28 de fevereiro, Maria Zakharova, porta-voz da Chancelaria russa, em resposta à decisão da Hungria de dar o sinal verde para a entrada sueca na aliança. — A adesão da Suécia é acompanhada pelo sentimento de histeria antirrussa no país que, infelizmente, é encorajado pela liderança política e militar da Suécia, mas sua principal fonte vem do exterior.
Mesmo sem a mesma agressividade demonstrada com a expansão da Otan rumo ao Leste Europeu e, especialmente, a Ucrânia, a Rússia não escondeu a insatisfação em ver uma organização que considera hostil fincar posições tão perto de suas fronteiras. Com a entrada da Finlândia, são mais de 2,5 mil km de divisa com países da aliança, e isso levou a promessas de fortalecimento de posições nessas áreas, como sugerido pelo ministro da Defesa Sergei Shoigu, em dezembro de 2022. Embora não tenha sido mencionada recentemente, a criação do “Lago da Otan” deve trazer de volta a ameaça de Moscou de abandonar o status não nuclear do Mar Báltico. Mísseis Iskander, que têm a capacidade de levar ogivas atômicas, já estão posicionados em Kaliningrado, e um eventual aumento das patrulhas navais pode também elevar os riscos de faíscas.
— Isso [a expressão “Lago da Otan” não deve dar a falsa ilusão de que não será uma área de potencial tensão ou risco elevado — disse ao Financial Times Anna Wieslander, diretora para o Norte da Europa do centro de estudos Atlantic Council. — A Rússia continuará lá, mas ainda mais espremida.
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