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O calo do calcanhar de Aquiles
Não existe nada que possa vir a ter um senhorio maior que aquele que está reservado à verdade, conforme é-nos ensinado pelos “Upanixades” hindus. Nada pode ser colocado para assentar-se em seu trono, sem que corramos o risco de mutilar as faculdades mais elevadas da pobrezinha da nossa alma.
Naturalmente, o conhecimento de qualquer verdade, por mais pequenina que seja, sempre implica numa série de problemas que irão demandar uma atitude de prontidão para que, com atenção e constância, possamos chegar a uma resolução minimamente razoável e, é claro, provisória, porque a verdade é eterna e, nossa presença neste mundo, meramente efêmera.
Como nos ensina Santo Tomás de Aquino, e muitos outros figurões de envergadura similar, se o conhecimento da verdade é filho do tempo, temos que dar tempo para que nossa ignorância possa ser vencida pela persistente procura pelo dito-cujo do esclarecimento. Se não fizermos isso, nossa inteligência será nocauteada pelos preguiçosos punhos da nossa ignorância voluntária.
Nesse caminho, longo, pedregoso e cheio de espinhos, é mais do que certo que iremos nos equivocar, errar feio inúmeras vezes, até conseguirmos realmente desfazer o nó-cego da nossa incompreensão e, por isso mesmo, não podemos temer reconhecer que nos equivocamos muitas vezes.
Se permitirmos ser intimidados por esse medinho e, é claro, pelo terror de uma possível e necessária correção, iremos continuar mergulhados, até o pescoço, no fétido lodo do engano e do autoengano.
Infelizmente, muitas e muitas vezes, nosso coração vê-se agrilhoado a paúra de errar, vê-se preso com as correntes do desamor ao saber. E, por isso, frequentemente nos apegamos à primeira frase de efeito, ao primeiro bordão que agradar o nosso mau gosto para, sem pestanejar, nos portar com aquela velha afetação presunçosa, travestida de criticidade.
E se o trem viesse apenas até essa estação, tudo bem. O problema é que ele vai mais longe.
Todos nós, em alguma medida, cultivamos em nosso íntimo um punhadinho de enganos e autoenganos, como se fossem bichinhos de estimação e, quanto mais tempo os mantemos sem a devida correção, mais apego vamos cultivando em relação aos danadinhos e aí, em muitos casos, nem com reza brava nos livramos deles, porque acabamos, sem perceber, transformando-os em colunas da nossa personalidade e, quando isso ocorre, é dureza ter que admitir que boa parte da nossa vida foi edificada sobre um punhado erros, enganos e mentiras, que aderimos de braços abertos, crentes de que estávamos montados na tal da razão.
E, tendo tudo isso em vista, pergunto: quantos de nós estão dispostos a vestir as sandálias da humildade e admitir que foram redondamente enganados em muitos momentos da vida? Pois é, foi o que eu imaginei.
Não é à toa que a vaidade é o pecado preferido do pai da mentira. Também, não é por acaso que a grande mídia e os oligarcas partidocráticos partilhem do mesmo apreço por esse pecadinho e, todos eles, juntos e misturados, sabem muito bem quais são os pontos cegos que se fazem presentes na consciência das massas e, principalmente, na nossa falta de consciência.
Enfim, eles sabem muito bem apertar o calo do nosso calcanhar de Aquiles.
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