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Amaro Freitas celebra vitórias na cena internacional do jazz: ‘A cada disco, eles aumentam meia estrela na cotação!’
Antes de embarcar em extensa turnê europeia, pianista pernambucano lança ‘Y’Y’, álbum que convida o ouvinte a um mergulho no universo amazônico e que arrancou da revista ‘Billboard’ uma nota de quase obra-prima

Quarto álbum de Amaro Freitas, pianista que em menos de dez anos saiu de uma igreja evangélica da periferia do Recife para os principais palcos do jazz do mundo, “Y’Y” (pronuncia-se “iêiê”) chega ao streaming esta sexta-feira, pelo selo americano Psychic Hotline, com uma proposta muito clara: a de conduzir o ouvinte por uma imersão no universo amazônico, que envolve um mergulho na floresta, nos rios e, por fim, no oceano.
Em “Uiara (encantada da água) – vida e cura”, ele segue num transe de piano que sugere o quieto passeio de um submarino pelas profundezas do mar, até que seus ocupantes acendem uma luz, revelando a beleza dos seres em seu entorno, que a treva escondia.
— Queria chamar a atenção das pessoas para esse momento: olha o que está acontecendo aqui, agora, debaixo d’água. Isso aqui é a água do teu planeta, pô! Olha a maravilha que existe dentro dela! Tem certeza que tu quer jogar um saco plástico aqui? — provoca o músico, em entrevista por Zoom, de Recife.
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Amaro já colhe os primeiros frutos de “Y’Y”, o seu primeiro álbum solo, batizado a partir de uma palavra do dialeto indígena sateré mawé, que significa água ou rio. “A superfície deste trabalho é plácida, mas, por baixo, ele está fervendo”, escreveu o crítico Michael J. West, na edição deste mês da revista americana Downbeat, a grande referência mundial do jazz, sobre este disco, para o qual deu a cotação de quatro estrelas e meia (de um total de cinco).
— A cada disco, eles aumentam meia estrela! (risos) — festeja o músico, que ao longo dos anos conquistou o exterior com discos em trio “que fogem de nomes coloniais”: “Sangue negro”(2016), “Rasif”(2018, “essa palavra árabe que dá origem ao nome Recife”) e “Sankofa”(2021, disco de inspiração africana em que ele começa “a refletir sobre essa construção da história brasileira com personagens que poderiam trazer uma autoestima maior para a população negra”).
EUA, Europa e Japão
Um show na próxima terça-feira, no Le Poisson Rouge, em Nova York, marca a primeira investida séria de Amaro Freitas no mercado americano, direcionada para os programadores de festivais de jazz do país. Porque a Europa, essa já está dominada: no fim de março, ele inicia uma turnê que passa por Itália, França, Bélgica, Alemanha, Suíça, Espanha e Portugal. E, em junho, ele coroa sua trajetória de sucesso internacional com um concerto no Metropolitan Jazz de Tóquio.
— Ano passado, pela primeira vez consegui esgotar os ingressos no (prestigiado clube de jazz) Ronnie Scott’s, em Londres. Celebrei muito isso, porque precisava dessa afirmação do nosso trabalho nesse território — diz Amaro, orgulhoso de ter ouvido do colega italiano de jazz e de teclas Stefano Bollani que não se lembrava de um pianista preto brasileiro com uma constância tão grande na Europa quanto a dele.
“Y’Y” resultou de dois processos que caminharam juntos, ao longo dos últimos cinco anos. Um deles foi o das pesquisas de Amaro com piano preparado — técnica desenvolvida pelo compositor John Cage (1912-1992), que consiste na colocação de objetos metálicos entre as cordas do piano para criar sons únicos, mais percussivos (“mas, quando a gente pensa o planeta abaixo do trópico, tudo é um pouco mais suingado, então eu queria um piano preparado que trouxesse esse som tropical, entre as sementes e os apitos amazônicos”). Outro foi a da descoberta da própria Amazônia.
— Era para eu ter passado dois dias em Manaus, no encerramento da turnê do disco “Rasif”, aí troquei minha passagem e fiquei oito dias. Na segunda vez, no Amazonas Green Festival, já fui com essa intenção de ficar mais tempo —conta Amaro. — A gente vê reportagens sobre a Amazônia, mas estar lá te proporciona uma experiência diferente, de um outro Brasil, do poder da natureza, do poder dos rios. Isso me levou a criar uma consciência sobre esse território e fazer um alerta para a importância da manutenção dos oceanos, dos rios e da floresta.
Com Naná Vasconcelos
Em busca de “um encantamento que não soasse apropriação, mas como um diálogo com a comunidade”, o pianista acabou tendo um encontro profundo com a obra de Naná Vasconcelos (1944-2016), mestre da percussão que, assim como ele, foi um pernambucano que levou a música brasileira (e amazônica) para o mundo. A inspiração rendeu a faixa “Viva Naná”.
— Na época em que o Naná era vivo, eu ainda estava na igreja, então eu não conhecia ele, não toquei com ele, não vivi a abertura do carnaval com ele, nada disso. Quando eu venho a entender do Naná, ele já estava internado, perto de morrer — conta. — Em vários momentos desse meu processo criativo eu pedia para ele estar comigo. E uma vez sonhei com ele me ensinando como fazer a música “Viva Naná”. Foi num sonho que ele me ensinou como usar a minha voz nela.
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Além de mergulho na Amazônia, “Y’Y” acabou sendo, nas palavras de Amaro, “uma celebração da diáspora africana que reverberou de formas diferentes em cada lugar”. Em um dia de estúdio em Milão, ele conseguiu que o inglês Shabaka Hutchings, estrela do novo jazz, gravasse flautas na faixa título e se juntasse a ele, ao baterista americano Hamid Drake (veterano do free jazz) e ao baixista cubano Aniel Someillan em “Encantados”, faixa mais caracteristicamente jazz do disco.
Já o guitarrista Jeff Parker (“que tem uma importância gigante para a cena contemporânea de Chicago”) e a harpista Brandee Younger (“que para muitos é a nova Alice Coltrane”), ambos americanos, participaram de forma remota das gravações, respectivamente, de “Mar de cirandeiras” e “Gloriosa”.
— Eu queria estar reunido com pessoas que são a geração do jazz contemporâneo no mundo, mas que esse protagonismo também fosse brasileiro, um disco de brasileiro com colaborações estrangeiras — diz o pianista, que vive um sucesso inesperado no Brasil com o show dedicado ao repertório do disco “Clube da Esquina”, feito com o cantor e também pianista Zé Manoel (em novembro, eles se apresentam no festival Rock The Mountain). — A gente não tinha essa intenção, mas aí o público foi gostando, o show foi acontecendo e os espaços foram lotando.
Atração do último carnaval de Recife, em homenagem a Naná Vasconcelos (que completaria 80 anos em 2024), Amaro se vê hoje numa posição diferente da de artistas como o próprio Naná, ou então Luiz Gonzaga e Hermeto Pascoal, que tiveram que sair do Nordeste (e até do Brasil) para um dia serem reconhecidos por lá.
— Hoje eu tenho a possibilidade de rodar o mundo, passar temporadas fora e viver em Pernambuco. Encontrei a (pianista paulistana e diva internacional do jazz) Eliane Elias na Itália e ela disse: “Amaro, estou vendo a movimentação que você vem fazendo, e posso dizer uma coisa? Não abandone o Brasil!”— recorda-se. — Eu toquei em Nova York pela primeira vez no Lincoln Center, e uma semana depois eu estava caminhando pelo Recife. Um moleque me viu e perguntou: “Mas você não estava em Nova York?” Respondi: “Sim, mas agora eu estou aqui e você pode estar lá também, mano!” E o cara saiu com os olhos brilhando.
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