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Luzes acessas 24 horas, paredes lisas, sem visita e 'impossível' de escapar: conheça a prisão de segurança máxima de Bukele

Unidade tem capacidade para abrigar 40 mil detentos e faz parte do programa de segurança do líder salvadorenho, criticada por organizações de direitos humanos

Agência O Globo - 07/02/2024
Luzes acessas 24 horas, paredes lisas, sem visita e 'impossível' de escapar: conheça a prisão de segurança máxima de Bukele
Luzes acessas 24 horas, paredes lisas, sem visita e 'impossível' de escapar: conheça a prisão de segurança máxima de Bukele - Foto: reprodução

Aqui nunca escurece. A luz artificial banha as celas e o pátio interno 24 horas por dia. Os prisioneiros dormem em camas de ferro com chapas de metal que chegam até o teto. Um circuito fechado os observa como um deus silencioso. Eles comem feijão e arroz com as mãos porque garfos e facas podem se tornar armas mortais. Eles lavam o corpo e os dentes em bacias de pedra e se aliviam em dois banheiros nos fundos, à vista de todos. Saem para um enorme corredor interno por, no máximo, 30 minutos por dia, sempre com algemas nos pés e nas mãos que os mantêm curvados e submissos enquanto caminham sobre o concreto liso. Policiais encapuzados e armados com rifles os observam do telhado. Tudo cheira a novo nas instalações; o tempo ainda não passou por eles.

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Os detentos praticam calistenia várias vezes por semana, uma série de exercícios que usam o peso do próprio corpo para mantê-los musculosos. Na maior parte do tempo, eles ficam sozinhos com seus pensamentos. Duas bíblias estão disponíveis em cada quarto, embora eles não recebam nenhuma assistência espiritual. Através das grades, vemos suas cabeças raspadas e rostos tatuados. Se quisessem escapar, teriam de passar por quatro muros de 60 centímetros de espessura e três metros de altura, cobertos por arame farpado. O chão de cascalho faria música sob seus passos. Eles nunca mais conhecerão o amor em liberdade, nem provavelmente o sexo. Não têm direito a telefonemas ou visitas. Eles entraram em um buraco negro, um eterno não-lugar, frio e sombrio.

— É impossível escapar. Esses psicopatas vão passar a vida inteira atrás dessas grades — diz o diretor da prisão, um homem corpulento e de óculos que não quer revelar seu nome.

O Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), a prisão de segurança máxima de El Salvador, a Alcatraz da América Central, foi inaugurado há pouco mais de um ano. Os olhos de Nayib Bukele brilham quando ele fala sobre esse lugar. Em apenas 20 meses, o jovem presidente fulminou as duas principais gangues, a Mara Salvatrucha e a Barrio 18. Com um regime excepcional que trouxe o Exército para as ruas e suspendeu as liberdades constitucionais, ele prendeu mais de 70 mil pessoas. Prendeu jovens em bairros inteiros, nos quais antes era impossível entrar sem correr risco de vida. O governo divulgou a prisão com vídeos que parecem ter sido editados por Francis Ford Coppola. O senso de realidade distópica que eles transmitem é fascinante. É incômodo assisti-los, mas, ao mesmo tempo, não é fácil desviar o olhar.

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Bukele tornou-se imensamente popular por essa política de mão de ferro, no país e no exterior. No domingo, ele venceu as eleições presidenciais com 85% dos votos, o que o manterá no poder por mais cinco anos. A oposição se transformou em cinzas. Os salvadorenhos, aliviados após décadas de violência, deram-lhe poder absoluto e ele usou essa notoriedade para perpetrar uma deriva autoritária com a qual controla o judiciário e as forças armadas, que logo serão multiplicadas por cinco. Como resultado, essa pequena nação passou de ter a maior taxa de homicídios do mundo para uma das menores da região. Bukele prometeu alcançar as taxas do Canadá. A impenetrabilidade e o luxo dessa prisão hermética combinam com a personalidade de um presidente com tendência à megalomania.

A prisão

Para entrar no Cecot, é preciso passar por quatro baias em grandes salas de concreto com um ar desolado. Você é revistado pelo corpo todo por funcionários com os rostos cobertos e com um humor sinistro. Eles pedem que você coloque as mãos na nuca. Perguntam se você tem tatuagens. Os arcos de segurança são equipados com raios X que expõem seus intestinos. O som dos ferrolhos dos portões de ferro soa forte. Gradualmente, uma sensação de confinamento aperta a garganta. Há oito módulos com um número indeterminado de prisioneiros que as autoridades se recusam a especificar. A capacidade é de 40 mil pessoas. Ninguém que tenha entrado algemado jamais voltou a ver a luz do dia. Apenas um fluxo de ar escapa por uma abertura no teto, que é impossível de escalar através das paredes lisas. Atrás das grades estão os prisioneiros mais perigosos do país. Assassinos com dezenas de assassinatos nas suas costas, cumprindo penas de 700 anos.

Esta noite, eles observam de suas celas como corujas. Não se movem, não dizem uma palavra. Ficam parados, de braços cruzados. Silenciosos. Emitem um ar fantasmagórico com suas cabeças raspadas e uniformes brancos bem passados. Suas cabeças são raspadas a cada cinco dias. Quase todos eles são tatuados. Os nomes de suas gangues foram escritos com tinta, caso houvesse alguma dúvida quanto ao modo de vida deles. Eles olham com um olhar penetrante, mas não desafiador. Eles não estão acostumados a ver pessoas de fora, com roupas de rua. Sua vida indefinida se desenrola em meio a ternos pretos de policiais encapuzados que os arrastam pelo braço como gado. Lá fora, eles eram temíveis, eram aterrorizantes; agora, têm apenas um semblante triste.