Internacional

Lula busca protagonismo em nova viagem à África

Presidente tentará alianças para o G20 em agenda em Egito e Etiópia. Brasil também pretende voltar a ocupar um espaço que hoje está loteado entre China, Rússia, Estados Unidos, Turquia, França e outros países europeus

Agência O Globo - 07/02/2024
Lula busca protagonismo em nova viagem à África
Lula - Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retoma neste mês sua agenda de compromissos internacionais com visitas a dois países da África: o Egito e a Etiópia, sede da União Africana (UA). O retorno de Lula à África, depois de passar, no ano passado, por África do Sul, Angola e São Tomé e Príncipe, tem um caráter eminentemente político.

Ele busca parceiros do mundo em desenvolvimento com aspirações semelhantes às do Brasil na principal frente de sua política externa deste ano: a presidência do G20, que terminará com uma reunião dos líderes das maiores economias do mundo no Rio, no fim de 2024.

Lula viajará ao Egito nos dias 15 e 16. A agenda ainda está sendo fechada, mas é certa uma reunião com o presidente Abdel Fattah al-Sisi.

Sede da Liga Árabe, o Egito teve participação importante na retirada de brasileiros e seus familiares da Faixa de Gaza e é, hoje, um dos principais atores na negociação de um acordo entre Israel e o grupo terrorista palestino Hamas. O presidente brasileiro deve colocar o Brasil à disposição para ajudar a solucionar uma grave crise que começou no dia 7 de outubro de 2023 com o ataque do Hamas a Israel.

Parceiros no brics

Junto com a Etiópia, o Egito agora faz parte do Brics (bloco inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que também recebeu a adesão de Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes). Os egípcios estão entre um dos maiores parceiros comerciais do Brasil na África e, graças ao presidente daquele país, Lula voltou à cena internacional antes de tomar posse, ao ser convidado por Sisi para ir à COP27, em Sharm el-Sheikh, no fim de 2022.

Nos dias 17 e 18, Lula estará em Adis Abeba, capital da Etiópia, para participar da reunião de chefes de Estado e de governo da União Africana. Lula vai defender uma frente mundial contra a fome, prevista na agenda que tem sido levada pelo Brasil nos fóruns internacionais. A União Africana, que reúne os 54 países da região, tornou-se membro permanente do G20 em 2023, com a ajuda do Brasil.

Segundo interlocutores do governo Lula ouvidos pelo GLOBO, com essa iniciativa política de fortalecimento das relações com os africanos, o Brasil também pretende voltar a ocupar um espaço que hoje está loteado entre China, Rússia, Estados Unidos, Turquia, França e outros países europeus.

Pautas comuns

O combate à fome e à pobreza, a transição energética, o comércio mais justo e a reforma de instituições como o Conselho de Segurança da ONU e o Fundo Monetário Internacional (FMI) são agendas do Brasil semelhantes às de outras nações em desenvolvimento — o chamado Sul Global — que fazem parte do grupo formado pelas maiores economias do mundo. Lula quer aumentar as pressões sobre os países desenvolvidos, para fechar a presidência brasileira com êxito.

Conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-embaixador do Brasil na Argentina e na França, Marcos Azambuja destaca que o Brasil tem uma experiência intensa em parte da África, voltada para o Atlântico, e nos países de língua portuguesa da região. As relações com o norte da região, acredita o diplomata, precisam ser melhoradas.

— O Egito é uma das três grandes potências africanas, junto com África do Sul e Nigéria. A viagem de Lula à África é muito oportuna e vantajosa para o Brasil — afirma.

Mas Azambuja alerta que o momento internacional é um dos mais tensos e delicados dos últimos 40 anos, com dois conflitos abertos — na Ucrânia e no Oriente Médio. Para ele, Lula tem que ter cuidado com as palavras.

O presidente brasileiro chama de “terroristas” os ataques do grupo extremista palestino Hamas a Israel, em 7 de outubro de 2023. Porém, critica os israelenses pela morte de civis na Faixa de Gaza.

Gestos simbólicos

Lula sempre criticou as sanções econômicas aplicadas contra a Rússia por Estados Unidos e União Europeia. E argumenta, sempre que possível, que o sistema ONU precisa de reforma, e prova disso, alega, é que não conseguiu parar as duas guerras em curso. O Brasil quer aumentar as vagas permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas — lugar ocupado por apenas cinco países: EUA, França, Reino Unido, China e Rússia — e ser incluído no grupo.

Professor da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Brown, em Providence, nos EUA, o cientista político Guilherme Casarões avalia que os gestos de Lula com relação à África são sempre importantes em termos simbólicos. Isto porque o continente africano foi elemento central da estratégia dos governos petistas, que viram aumentar relações diplomáticas, políticas e comerciais com a maioria dos países da região.

— Contudo, é importante que Lula consiga transformar essa aproximação com a África em ganhos concretos para o país, sobretudo no campo comercial, graças ao enorme crescimento econômico africano da última década. É também fundamental que Lula articule a estratégia externa com a agenda interna, que sofreu em 2023 com a prolongada ausência do presidente — diz Casarões.