Internacional
Paradoxo de Gaza: Guerra custa R$ 1,3 bi por dia a Israel enquanto economia sofre sem mão de obra palestina
Antes do conflito armado, 180 mil palestinos trabalhavam no território israelense, legal ou ilegalmente; escassez é sentida principalmente nos setores de construção e agricultura
Guerras não são apenas devastadoras, elas também são financeiramente custosas. De acordo com o Banco Mundial, serão necessários dezenas de bilhões de dólares para reconstruir a Faixa de Gaza ao final do conflito entre Israel e o grupo terrorista palestino Hamas, já que mais de 70% de sua infraestrutura e mais da metade dos hospitais, sistemas de comunicação e estradas foram destruídos. O Estado judeu, por sua vez, tem investido cerca de US$ 269 milhões (R$ 1,3 bilhão) por dia na ofensiva, um valor que pode chegar a US$ 60 bilhões (R$ 295 bilhões) no total, segundo estimativas do Banco de Israel. Mas, se as despesas aumentam à medida que os ataques se intensificam, a mão de obra disponível diminui, encolhendo também as receitas nacionais após a maior convocação de reservistas da História do país e o fechamento da fronteira para milhares de palestinos que costumavam trabalhar em solo israelense.
A economia de Israel encolheu 2% no último trimestre do ano passado. A queda foi puxada, em parte, pela área de tecnologia — que responde por 18% do PIB e por quase 50% das exportações do país — depois que milhares de trabalhadores do setor e fundadores de startups tiveram de deixar seus postos de trabalho para atender à convocação de 360 mil reservistas pelas Forças Armadas após o 7 de outubro. Na ocasião, o Hamas lançou o pior ataque em solo israelense desde a formação do Estado judeu, em 1948, deixando 1,2 mil mortos, a maioria civis, e fazendo 240 pessoas como reféns.
O desemprego entre israelenses aumentou de 3% antes do início da guerra para cerca de 20% no final de outubro, segundo um relatório do Centro Taub para Estudos de Políticas Sociais em Israel, um instituto de pesquisas independente e apartidário com sede em Jerusalém. O documento mostra que, além da convocação dos reservistas, o aumento do desemprego decorre do fato de que mais de meio milhão de pessoas teve de ficar em casa para cuidar dos filhos após o fechamento das escolas, foram forçadas a deixar suas casas perto das fronteiras com o Líbano e Gaza ou não puderam trabalhar devido a danos físicos às suas empresas.
A escassez de mão de obra tem sido particularmente grave nos setores de construção e agricultura, que dependem fortemente dos trabalhadores palestinos, impedidos de entrar em Israel desde 7 de outubro, afirma Raja Khalidi, diretor geral do Instituto de Pesquisa de Política Econômica da Palestina. Segundo o especialista, antes da guerra, 180 mil palestinos trabalhavam em Israel, dos quais cerca de 130 mil tinham permissão do governo israelense. A falta de trabalhadores também é sentida, em menor escala, nos setores relacionados à indústria e ao turismo, acrescentou, em entrevista à Al Jazeera.
De acordo com uma estimativa do economista-chefe do Ministério das Finanças de Israel, o prejuízo de curto prazo para a produtividade nos setores de construção, indústria e agricultura em decorrência da ausência de trabalhadores palestinos é de mais de 3 bilhões de shekels (R$ 4 bilhões) por mês. À medida que esse prejuízo se acumular, ele afetará não apenas os proprietários de empresas que dependem dos palestinos, mas também a economia israelense como um todo, afirmou.
Daniel Klusky, um proprietário de pomares e secretário-geral da Associação de Produtores de Cítricos disse ao jornal israelense Haaretz que normalmente emprega cerca de 8 mil palestinos durante a alta temporada, que vai de novembro a abril, e 3,5 mil fora desse período. Ele também conta com alguns empregados israelenses e tailandeses (cerca de 25% da equipe), mas em número insuficiente para o período.
— No momento, há frutas que valem 1,6 bilhão de shekels (R$ 2,12 bilhões) nas árvores. A grande questão é quanto será colhido e quanto dinheiro permanecerá nas árvores — comentou Klusky. — Se 75% das frutas permanecerem nos pés, isso significa falência para os produtores. Não temos a menor chance de lidar com isso.
O governo israelense segue relutante em reabrir as portas para os trabalhadores palestinos — mas sem apresentar um plano para substituí-los. Segundo especialistas ouvidos pelo Haaretz, o Gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tomou algumas decisões para aumentar a cota de trabalhadores estrangeiros, mas seria necessário um tempo considerável para substituir os mais de 100 mil palestinos que entraram legalmente em Israel para trabalhar, além do número considerável dos que o faziam ilegalmente.
LONGE DA GUERRA, PERTO DA CRISE
O Escritório Central de Estatísticas da Palestina estimou, no final de dezembro, que as perdas econômicas gerais nos territórios palestinos, desde o início da agressão israelense em Gaza, atingiram cerca de US$ 1,5 bilhão durante os primeiros meses da guerra, o equivalente a aproximadamente US$ 25 milhões por dia, excluindo perdas diretas com propriedades e bens. Além disso, dois terços da população palestina estão desempregados.
A organização não governamental Central de Atendimento ao Trabalhador para a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores estima que cerca de 150 mil famílias não têm quem sustente a casa devido ao bloqueio nos territórios palestinos, um número que pode ser ainda maior já que muitos dos trabalhadores não sustentam apenas seu próprio núcleo familiar. O resultado é que centenas de milhares de moradores de Gaza e da Cisjordânia ocupada são afetados pela incapacidade de ganhar a vida em Israel.
O efeito das restrições foi rapidamente sentido na Cisjordânia ocupada, que, apesar de estar a quase 100 km de distância da frente de batalha, viu a interrupção, da noite para o dia, do pagamento dos trabalhadores, que gerava cerca de US$ 4 bilhões por ano — quase 20% da renda do território. Isso foi agravado pelos impactos locais do aumento da violência dos colonos e dos bloqueios israelenses a cidades e vilarejos, que não conseguem escoar sua produção, além da retenção da receita tributária por Israel, explica Khalidi.
Muhanad Nairoukh, gerente de uma das três maiores fábricas de alumínio da Cisjordânia ocupada, disse à Al Jazeera que os últimos meses foram os piores em termos de produção e lucros em muito tempo. Ele gerencia mais de 30 funcionários que mantêm funcionando a empresa fundada por seu pai em 1993, mas recentemente se viu obrigado a cortar custos, pois o negócio passou a operar com 40% de sua capacidade depois que a produção foi reduzida em 60%.
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
A guerra em Gaza também tem afetado países vizinhos como Egito, Líbano e Jordânia. Uma avaliação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) estimou que, em apenas três meses, o conflito custou aos três países US$ 10,3 bilhões (R$ 51,3 bilhões), ou 2,3% do produto interno bruto combinado. A expectativa é de que mais 230 mil pessoas nesses países também caiam na pobreza.
"O desenvolvimento humano pode regredir em pelo menos dois ou três anos no Egito, na Jordânia e no Líbano", alertou a análise, citando os fluxos de refugiados, o aumento da dívida pública e a queda no comércio e no turismo — uma fonte vital de receita, moeda estrangeira e emprego.
A retração econômica não poderia vir em pior hora para esses países. A atividade econômica em todo o Oriente Médio e Norte da África já estava em queda, passando de 5,6% em 2022 para 2% de crescimento no ano passado. O Líbano está mergulhado no que o Banco Mundial chama de uma das piores crises econômicas e financeiras do mundo em mais de um século e meio. E o Egito está à beira da insolvência — quando as dívidas do devedor são maiores do que seu patrimônio. (Com New York Times)
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