Economia

Cultivo nacional de lúpulo triplica no país e indústria cervejeira já vê impacto. Serra do Rio é destaque

'Tempero' da cerveja cresce em cidades fluminenses, e Teresópolis vira "Capital Nacional do Lúpulo"

Agência O Globo - 28/01/2024
Cultivo nacional de lúpulo triplica no país e indústria cervejeira já vê impacto. Serra do Rio é destaque
Cultivo nacional de lúpulo triplica no país e indústria cervejeira já vê impacto. Serra do Rio é destaque

Para além da água e do malte, principais ingredientes da cerveja, um pó amarelo rico em resinas e óleos é o que garante o amargor e o aroma característicos da cerveja. O lúpulo é o “tempero” da bebida alcoólica preferida dos brasileiros, e o ingrediente mais caro do processo de produção. Seu cultivo ainda engatinha no país, mas o setor trilha um caminho para reduzir a dependência das importações.

No ano passado, o equivalente a 2% do que é consumido pela indústria cervejeira brasileira foi produzido no país. Ainda assim, as 88 toneladas de lúpulo brasileiro colhido em 2023 representam um volume 203% maior do que o acumulado no ano anterior, segundo dados da Associação de Brasileira de Produtores (Aprolúpulo). O cultivo se estende por 13 estados, com Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais na liderança. Mas é no Rio que a área cultivada mais cresce, na casa dos 433%.

Por ainda ser tímida em volume, a produção de lúpulo em solo brasileiro não permite que as grandes empresas dependam dela para produzir cerveja em larga escala, por conta da padronização do insumo. É o que explica Márcio Maciel, diretor executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), que representa as maiores produtoras da bebida no país. Apesar disso, o setor vê o crescimento do cultivo com entusiasmo:

— De 2017 a 2022, evoluímos de 5,2 mil para 42,8 mil produtos cervejeiros no país. O que isso significa? Inovação. Então a possibilidade de ter lúpulo com características nacionais é algo fenomenal para a indústria cervejeira brasileira, principalmente na criação de novos produtos.

Ele acredita que, a médio e longo prazo, o país tenha uma produção de fôlego, mas que o ingrediente de fora siga sendo importado, principalmente para receitas tradicionais das cervejarias. Enquanto isso, o que é plantado aqui tem sido usado principalmente em colaborações entre marcas pequenas e grandes e por cervejarias artesanais, com lotes delimitados.

No ano passado, a paulistana Juan Caloto foi premiada pela Associação Brasileira das Cervejarias Artesanais (Abracerva) como a melhor cerveja lupulada da Região Sudeste. O rótulo “La Peregrinación a Comet Valley”, de estilo West Coast IPA, foi 100% produzido com lúpulo nacional, plantado numa fazenda cafeeira de São Sebastião do Paraíso, no Sul de Minas.

— Já tínhamos visto alguns rótulos com lúpulo brasileiro, mas não receitas onde ele é o protagonista. Acaba gerando um interesse extra de quem gosta de cerveja artesanal, chama atenção. Tem uma outra colheita prevista para fevereiro e março e nossa ideia é fazer essa cerveja anualmente, de acordo com as safras — planeja Felipe Gumiero, sócio da marca.

Iluminação para aumentar produção

O lúpulo usado na indústria brasileira de cerveja vem dos Estados Unidos e da Alemanha, os principais produtores globais do ingrediente. No hemisfério Norte, por conta das baixas temperaturas, a produção é de uma safra anual, volume que pode até triplicar no Brasil, como analisa Leonardo Penna, especialista em processos industriais do Grupo Petrópolis.

A empresa, dona de marcas como Itaipava, Petra e Cacildis, apostou no cultivo próprio de lúpulo em 2018. Ao todo, são sete hectares de plantação nas cidades de Teresópolis e em Uberaba, no interior de Minas Gerais. A colheita já garantiu a produção de um lote especial, a cerveja Black Princess Braza Hops, em 2020 e 2022.

Penna explica que o lúpulo precisa de muita luz para se desenvolver. Mas a média de horas iluminadas no país é de 14 horas diárias. Por isso, a saída, para muitos produtores, têm sido investir na suplementação luminosa, com lâmpadas ligadas por mais quatro horas para fortalecer o desenvolvimento das plantas.

— Fizemos um teste num trecho da produção em Teresópolis e observamos resultados muito bons. A produtividade aumentou, a perda de plantas caiu e os cones (ou flores) ficaram mais ricos em lupulina — diz: — A ideia é conseguir escoar essa produção dentro da nossa fábrica, mas o impacto ainda não é na produção de cerveja em si, mas como uma oportunidade gigantesca para o mercado brasileiro. Temos muito a crescer para que se torne no futuro uma commodity relevante.

Apesar do crescimento da produção nestes últimos anos, a presença do lúpulo em solo fluminense não é uma “estreia”. Há 150 anos, houve uma tentativa de cultivo na cidade do Rio, na antiga Fazenda Normal, onde hoje fica o Jardim Botânico. Mas o calor e o clima seco da capital não permitiram que o plantio vingasse. Agora, a produção subiu a Serra, onde encontrou condições mais favoráveis.

– Tínhamos uma visão do lúpulo muito similar a que se tinha da soja, mas que hoje carrega boa parte do nosso PIB. Conseguimos desmistificar que não dá para plantar lúpulo no Brasil, numa integração do produtores com os órgãos de pesquisa e assistência técnica e o setor produtivo, que naturalmente quer consumir um produto nacional e de qualidade – afirma Gustavo Xavier, pesquisador da Embrapa Agrobiologia.

Com o desenvolvimento da planta na Serra Fluminense, a cidade de Teresópolis ganhou o título de Capital Nacional do Lúpulo. É lá que fica a primeira produtora de mudas do país certificada pelo Ministério da Agricultura (Mapa). O Viveiro Ninkasi comercializa diferentes variedades de lúpulo para produtores de todo o país.

A planta é importada e propagada no viveiro, onde as mudas crescem em estufas por até dois anos até seguirem para os produtores.

– O Brasil é o 4º maior mercado consumidor e o 3º maior produtor de cerveja, então produzirmos nosso próprio lúpulo é um potencial gigantesco. Com uma produção nacional, o que vai para a cervejaria está mais fresco, com um aroma mais forte – defende a empresária Teresa Yoshiko.