Internacional

Noruega avalia banir adoções estrangeiras após investigação indicar roubo de bebês, falsificação de documentos e corrupção

Se instituída, medida poderá sinalizar uma das restrições mais abrangentes da prática na Europa até hoje

Agência O Globo - 18/01/2024
Noruega avalia banir adoções estrangeiras após investigação indicar roubo de bebês, falsificação de documentos e corrupção

Uma mulher norueguesa só descobriu através de uma carta antiga, escondida por 50 anos, que tinha sido tirada dos seus pais coreanos. Outra foi tirada de sua casa após contrair poliomielite; uma mulher chegou e disse que levaria a menina para atendimento médico, mas em vez disso a levou para um orfanato. Ainda outra foi entregue a um orfanato por uma avó vingativa, que tentava desfazer o casamento do filho. Em cada caso, as mulheres acreditaram durante toda a vida que tinham sido indesejadas, abandonadas ou órfãs pelos pais biológicos. A verdade, porém, não poderia ter sido mais diferente.

Veja quais: Ameaçada na Itália, adoção homoparental é legal em número reduzido de países

Em 2023: Taiwan amplia direito de adoção para casais do mesmo sexo

As histórias delas são apenas um fragmento de casos que abalaram a robusta indústria de adoções estrangeiras da Noruega — e, potencialmente, da maior parte da Europa. Na terça-feira, um dos principais órgãos políticos da Noruega recomendou a suspensão de todas as adoções estrangeiras, no meio de uma investigação sobre alegações de crianças roubadas, documentação forjada e esquemas ilegais de adoção com fins lucrativos. No mesmo dia, a única agência de adoção estrangeira da Dinamarca anunciou que encerraria as suas próprias operações devido a preocupações semelhantes.

— A bola de neve está rolando, e agora na direção certa — disse Christian Strand, um importante jornalista norueguês e defensor da transparência nas adoções estrangeiras.

Strand, ele próprio um adotado da Indonésia, documentou vários casos de irregularidades nas adoções estrangeiras da Noruega.

Podcast: Os riscos dos acordos informais de adoção

Documentação falsa

O anúncio de Oslo é o mais recente desenvolvimento de um escândalo que veio à tona pela primeira vez no ano passado, quando jornalistas investigativos noruegueses publicaram um relatório sobre um amplo esquema de adoções que alegava que dezenas de crianças haviam sido tiradas ilegalmente de suas famílias biológicas em países como a Coreia do Sul e Equador.

Em muitos casos, as crianças foram tiradas dos pais sob falsos pretextos, receberam documentação falsa e foram vendidas a famílias adotivas na Europa Ocidental, alegam os relatórios.

A reportagem, publicada no tabloide norueguês VG, levou as autoridades norueguesas a estabelecerem uma comissão para investigar as alegações. Essa comissão, convocada em 2023 , ainda está em funcionamento.

A proibição, recomendada pelo principal órgão político da Noruega em matéria de crianças e assuntos familiares, exigiria a aprovação do Ministério da Criança e da Família da Noruega. Nesta quarta-feira, o Ministério respondeu pedindo mais informações antes de instituir a proibição recomendada, levantando preocupações sobre as potenciais consequências de tal suspensão.

ONU: Rússia viola princípio de proteção de crianças ucranianas ao colocá-las para adoção

Os grupos de adoção também pediram cautela, dizendo que uma paralisação prolongada poderia arruinar financeiramente as poucas agências de adoção estrangeiras legítimas que operam na Noruega.

— Apoiamos a investigação, mas uma proibição temporária impediria as crianças de esperar para serem adotadas e as famílias que esperam de adotá-las — disse Young Kim, diretor executivo da Verdens Barn, uma das três agências de adoção estrangeiras do país.

De acordo com a suspensão recomendada, as famílias que já estão no meio de um processo de adoção e que receberam uma criança poderão continuar, apesar da proibição recomendada, mas cada caso será submetido à sua própria análise, disseram autoridades norueguesas.

Na Dinamarca, críticas semelhantes começaram em novembro passado sobre uma série de adoções de Madagascar, nas quais foram feitos pagamentos que potencialmente violavam a lei. A Suécia anunciou em 2021 que estava realizando a sua própria revisão das adoções estrangeiras de 1960 a 1990; o país suspendeu as adoções da Coreia do Sul no outono passado (Hemisfério Norte).

A suspensão na Noruega, se instituída, poderá sinalizar uma das restrições mais abrangentes até agora às adoções estrangeiras na Europa. Proibiria qualquer adoção estrangeira e poderia durar até dois anos se fosse confirmada pelo Ministério da Criança e da Família da Noruega.