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Eleições em Taiwan: Candidato favorável à aproximação com a China reconhece derrota

William Lai, candidato governista à Presidência próximo aos Estados Unidos, disputou poder com o candidato pró-Pequim, Hou Yu-ih

Agência O Globo - 13/01/2024
Eleições em Taiwan: Candidato favorável à aproximação com a China reconhece derrota
Candidato favorável à aproximação com a China reconhece derrota - Foto: Reprodução

O candidato da oposição de Taiwan, Hou Yu-ih, reconheceu a derrota nas eleições e pediu desculpas aos apoiadores por não ter conseguido derrubar o Partido Democrático Progressista do poder, reportou a AFP.

— Eu parabenizo Lai Ching-te e (o companheiro de chapa) Hsiao Bi-khim por terem sido eleitos — disse ele aos apoiadores.

Foco de tensão entre as duas maiores economias do mundo, a ilha autogovernada de Taiwan foi às urnas neste sábado para decidir quem será o seu presidente durante os próximos quatro anos. O candidato governista do Partido Democrático Progressista (PDP), William Lai, lidera as pesquisas cinco pontos à frente de Hou Yu-ih, candidato de oposição do Partido Nacionalista (Kuomintang), segundo dados do agregador de pesquisas eleitorais da revista britânica The Economist.

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Taiwan é um território com um governo distinto da China continental desde 1949, quando os nacionalistas sob comando de Chiang Kai-shek se refugiaram na ilha após a derrota para os comunistas de Mao Tsé-tung na Revolução Chinesa. Porém, o governo chinês considera que a ilha é parte do seu território e reiteradamente afirma que a sua incorporação é um processo inevitável. Diante dessas tensões, a relação de Taiwan com a China tem um grande peso eleitoral, e as duas candidaturas se dividem em como melhor lidar com essa situação.

“A visão do Kuomintang prioriza as relações com a China, enquanto a abordagem do PDP enfatiza o aprofundamento dos laços de Taiwan com democracias na comunidade internacional, em especial com os Estados Unidos”, disse ao GLOBO, por e-mail, Amanda Hsiao, analista sênior para a China do centro de estudos Crisis Group.

Candidato da situação, William Lai é o atual vice da presidente Tsai Ing-wen. Durante seus oito anos de mandato, Tsai adotou uma política de aproximação com os Estados Unidos e distanciou-se da China. Seu governo enfatizou políticas de valorização da identidade nacional taiwanesa e reforçou a sua capacidade militar, incluindo o aumento do serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano.

Neste período, a China e Taiwan encerraram seus canais de comunicação oficiais, e o governo da ilha perdeu o reconhecimento formal de sete países que passaram a ser aliados da China. Atualmente, só 13 países com assento na ONU ainda reconhecem a República da China, nome oficial de Taiwan. Os demais países, incluindo Brasil e Estados Unidos, não a reconhecem oficialmente.

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Lai tem prometido manter a política externa promovida por Tsai. O maior sinal nesse sentido foi a escolha de Hsiao Bi-khim como sua vice. Representante de Taiwan nos EUA entre 2020 e 2023, ela foi alvo de uma série de sanções por parte da China.

Apesar dessa escolha e da promessa de continuidade, Lai diz estar aberto ao diálogo com o governo chinês durante seu mandato. “A nossa porta estará sempre aberta para compromissos com Pequim sobre os princípios da igualdade e da dignidade”, disse Lai em entrevista coletiva na última semana.

Durante a campanha eleitoral, o candidato da oposição enfatizou diversas vezes que mais um mandato do PDP poderia levar ao crescimento das tensões no Estreito de Taiwan de maneira irreversível. Hou Yu-Ih lembrou do histórico do PDP, e do próprio Lai, junto ao movimento pela independência de Taiwan no passado.

Linha direta com Pequim

Prefeito licenciado de Nova Taipé, a maior cidade da ilha, Hou é um ex-policial que conseguiu notoriedade ao solucionar um caso de comoção nacional nos anos 1990. Entre os dois candidatos, o nome de Hou é visto como mais favorável aos interesses da China continental. “Se Hou vencer a eleição, a situação pode voltar a ser como era em 2008, quando a administração do Kuomintang podia negociar diretamente com Pequim, o que não é bom para os Estados Unidos. Já o PDP sempre precisa dos Estados Unidos como intermediário entre a China e Taiwan”, diz Chung-Min Tsai, professor de Ciência Política da Universidade Nacional de Chengchi, em Taipé.

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As eleições de Taiwan não têm segundo turno e, portanto, devem ser definidas por uma pequena margem de votos. Um dos fatores mais importantes nessa definição é o comportamento do eleitorado do terceiro colocado nas pesquisas, Ko Wen-je. Com 24% das intenções de votos, 12 pontos a menos do que Lai, Ko conta com bastante apoio entre os jovens e aglutina parte do eleitorado que rejeita o atual governo do PDP.

Diante da disputa apertada, o governo de Taiwan tem afirmado que uma interferência da China pode ser definidora da eleição. O ministro das Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu, disse que Pequim trava uma “guerra cognitiva” através do uso de desinformação e sanções, visando influenciar a eleição para grupos que a favoreçam.

— A diferença entre os dois candidatos nas pesquisas é de somente 5 pontos percentuais. Se os chineses conseguirem persuadir mais de 2,5% do eleitorado a votar de maneira oposta, isso poderia mudar o resultado da eleição — disse o ministro em entrevista coletiva.

Durante os últimos 30 anos, a população taiwanesa passou a se reconhecer cada vez menos como parte da China. Embora mais de 95% da população seja da etnia han, de origem chinesa, mudanças curriculares e um movimento nacionalista desde a democratização do país na década de 1990 levaram a um crescimento dessa percepção. Atualmente, a maior parte da população da ilha (62,8%) se considera somente taiwanesa. Outros 30,5% se consideram taiwaneses e chineses ao mesmo tempo, e somente 2,5% se enxergam exclusivamente como chineses, segundo pesquisas realizadas pela Universidade Nacional de Chengchi.

Apesar disso, a grande maioria da população não é favorável a uma declaração imediata de independência, opção apoiada por somente 4,5% da população. No total, 82,1% da população defendem a “manutenção do status quo” no curto prazo — expressão que demonstra a preferência pela situação atual, em que Taiwan se mantém como uma entidade política autônoma, com exército, governo e moeda próprios, mas sem uma declaração formal de independência, que irritaria Pequim.

Impacto da economia

A manutenção do status quo é uma maneira eficiente de amenizar a possibilidade de conflito entre China e Taiwan, segundo Chung-Min Tsai:

— Há somente duas condições em que a China adotaria uma ação militar. A primeira é se Taiwan declarar a sua independência, e a segunda seria se os Estados Unidos rejeitassem a política de uma só China — diz o professor.

Independentemente de quem ganhar as eleições, o cientista político acredita que atualmente está em curso uma diminuição das tensões no estreito, devido a fatores externos a Taiwan que se sobrepõem à eleição local. “A economia doméstica na China está atualmente em uma situação muito perigosa e arriscada, portanto eles não têm tempo para lidar com a questão de Taiwan. Já os EUA estão dialogando novamente com os chineses, então não há como Taiwan continuar sendo tão firme em relação à China” afirma o cientista político.