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Zagallo: lenda do futebol marcou MPB como do samba e referência do rap por lema 'vão ter que me engolir'

Um dos grandes nomes da História do esporte, ex-jogador de futebol e treinador morreu na sexta-feira (5), aos 92 anos

Agência O Globo - 06/01/2024
Zagallo: lenda do futebol marcou MPB como do samba e referência do rap por lema 'vão ter que me engolir'

Mario Jorge Lobo Zagallo, ponta-esquerda do Flamengo, do Botafogo e da Seleção Brasileira, foi um dos grandes nomes da história do futebol mundial. O Velho Lobo foi a única pessoa a estar presente em quatro títulos de Copa do Mundo: em 1958 e 1962, como jogador, em 1970, como técnico, e em 1994, como coordenador técnico. Ao longo dessa trajetória — encerrada com sua morte na sexta-feira (5), aos 92 anos —, Zagallo esteve várias vezes nos holofotes e acabou surgindo nas letras de compositores brasileiros de várias vertentes. Exaltadonas vitórias, cornetado nas derrotas e lembrado por um desabafo (seu lema "vocês vão ter que engolir" caiu no gosto de muitos rappers) a lenda do futebol acabou tendo seu nome inscrito na história da MPB.

Lembrado no 'Esquadrão brasileiro'' (1958), de Tonico & Tinoco

O Velho Lobo ainda era um jovem de 27 anos e assinava seu sobrenome com apenas um L quando apareceu ao lado do ainda mais jovem Pelé, então com 17, na letra de "Esquadrão Brasileiro". Era uma moda de viola gravada por Tonico & Tinoco (os irmãos paulistas João eJosé Salvador Perez) em celebração à conquista da primeira Copa do Mundo pelo Brasil, em 1958. Citando o time titular que venceu a Suécia na final por 5x2 a partir do goleiro Gilmar, a dupla sertaneja chega ao ataque (carregando no sotaque caipira): "Garrincha Didi e Vavá /Na linha são os promeiro / Com Zagalo e o Pelé /Atacantes pioneiros / Ganhando a Copa do Mundo /E todos os jogos vencêro"

Outra dupla sertaneja que citou os campeões de 1958 (recuando o ponta-esquerda para o meio-campo, ao lado de Didi e Zito) foram Campanha e Cuiabano, na canção "Brasil campeão do mundo).

Reconhecido em 'O caneco é nosso' (1970), de Teixeirinha

Zagallo foi contestado quando assumiu a seleção no lugar de João Saldanha — invicto nas eliminatórias para a Copa do México em 1970, o treinador tinha sido demitido por ser desafeto do general e presidente Médici. Mas, mantendo a filosofia do antecessor de escalar, ainda que meio fora de posição, "todas as feras", o técnico criou um esquema que permitiu o brilho simultâneo de Gerson, Rivelino (outro que adotou o LL depois), Tostão, Pelé e companhia.

Consagrado com o tricampeonato após a vitória por 4 a 1 sobre a Itália, Zagallo teve a campanha de seis vitórias reconhecida pelo gaúcho Teixeirinha no sucesso "O caneco é nosso": "Nosso treinador Zagalo / Com a seleção vai pra história / Sem derrotas e sem empates / Goleou e trouxe a vitória".

O mestre do samba de breque Moreira da Silva também lembrou que "Zagalo chegou ao México / Com suas feras embaladas" em "A fera de ouro" - mas a estrela da música é o atacante Tostão, então craque do Cruzeiro.

Alfinetado em 'Camisa 10', de Luiz Américo

Dono da camisa 10 do Brasil desde 1958, Pelé anunciou após a conquista do tri que não disputaria a copa seguinte, em 1974, na Alemanha. A ausência do Rei do Futebol tirava o sono da torcida e, principalmente, do técnico Zagallo. Pressionado por ausências de veteranos e sem confiar nas revelações, o Velho Lobo ainda precisou aguentar as alfinetadas de "Camisa 10" , sucesso pré-copa do sambista santista Luiz Américo.

A letra de Hélio Matheus e Luiz Vagner é uma carta passivo-agressiva para o então treinador da seleção. A cada verso de "desculpe, seu Zagalo", segue uma saraivada de críticas. "Desculpe seu Zagalo / Mexe nesse time que tá muito fraco / Levaram uma flecha, esqueceram o arco / Botaram muito fogo e sopraram um furacão / Que não saiu do chão", diz a primeira estrofe, criticando a convocação de jogadores do Botafogo e a má fase de Jairzinho (o "Furacão da Copa de 70").

O 'Camisa 10' do título, claro, é Pelé. Pro final da música, Luiz Américo até pergunta: "Dez é a camisa dele, quem é que vai no lugar dele?". A imensa responsabilidade coube a Rivelino, que inclusive era citado na letra como "Garoto do Parque", apelido dos tempos de Corinthians, que treinava no Parque São Jorge: "Cuidado seu Zagalo / O garoto do parque está muito nervoso / E esse meio campo fica perigoso / Parece que desliza nesse vai não vai / Quando não cai". Curiosidade: em 1998, com Zagallo de volta à seleção, um Marcelo D2 ainda à procura da batida perfeita regravou a música, mesmo com as referências futebolísticas já obsoletas.

Até Gilberto Gil entrou na onda - à sua maneira. Na temporada que fez em 1974 no Tuca, em São Paulo, apresentou a inédita "Abra o olho", que termina assim: “Ele disse: ‘Abra o olho’/ Com aquela sua voz suave, amiga e franca/ Eu falei: ‘tá direito’ de olho fechado e gritei/ Viva Pelé do pé preto/ Viva Zagalo da cabeça branca”. São versos que podem ser interpretados como o reconhecimento de opostos que se complementam, tensão sempre presente na obra do baiano.

Consagrado na música urbana com 'vocês vão ter que me engolir!"

Era 29 de junho de 1997. O Brasil tinha acabado de derrotar por 3x1 a Bolívia e os 3.640 metros de altitude de La Paz, conquistando o título da Copa América. Tino Marcos, repórter da TV Globo na época, recordou o episódio ao Globo Esporte: "Depois do jogo , nós todos maltratados pela altitude, com dor de cabeça, doidos pra nos livrar daquela situação. Eu vi o Zagallo com uma expressão muito tensa e com uma coloração meio arroxeada. E eu me aproximo dele, antes de começar a entrevista e pergunto a ele: 'Dá pra falar?' e ele diz 'Posso falar, sim'."

Encarando a câmera de óculos e boné azul, o veterano de 66 anos (pareciam mais) disse de forma veemente: "Vocês vão ter que me engolir!", desabafo contra críticos que acabou virando uma grande marca do tetracampeão. Além disso, o lema proferido de maneira veemente, contestadora e, por que não?, cheia de atitude, acabou encontrando posição em um esquema alheio ao Velho Lobo: letras de rap, funk, trap e slam. Afinal, o discurso de "vocês vão ter que me engolir" se encaixa perfeitamente nos versos desses gêneros musicais, que costumam desafiar o estabelecido e valorizar quem os declama.

O bordão e adaptações dele, dando o devido crédito a Zagallo, surge, por exemplo, em "In the best", de Jhet Oficial; "Pra descontrair", de Perki; em "Dissecação Part 1", de Robert Jack; em "Maloqueiro iluminado", de Jhef; "Resistência", de Fabio FG; "O Kannário e pam", de Igor Kannário; "Roubando a cena", de MC Marks; "Resenha", de Dyego Habacuque; "Mil motivos", de MC Hariel e até no "Rap RJ", de Zé Metralhadora, que dispara: "Já trabalhei de uber e nas loja que eu vendi / Eu vendia de Freestyle para os menorzin / Batendo meta com a minhas rimas / Adivinha? aÍ foi quando eu percebi / Que marcar 10 das esquinas / Não ia me tirar dali / Z de Zagalo / Voces vao ter que me engolir"

O refrão também está presente na simpática esquecida "Agora é hexa", lançada em 2018 pela dupla Anavitória em parceria com o grupo Atitude67 - cabe ao vocalista do grupo cantar: "Ah, até eu que acompanho tudo de tudo de futebol / Me lembro do Bebeto e do Romário em 94 / Zagalo bravo / Vocês vão ter que me engolir". Fica a torcida para 206.