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Nasa mandará foguete com restos mortais à Lua, e indígenas criticam o lançamento: 'profanação'

De maneira histórica, missão ocorrerá em conjunto com duas empresas privadas e será a primeira a tentar realizar um pouso suave na Lua em 50 anos

Agência O Globo - 06/01/2024
Nasa mandará foguete com restos mortais à Lua, e indígenas criticam o lançamento: 'profanação'
Nasa eua - Foto: Reprodução

Os Estados Unidos começaram na sexta-feira os últimos preparativos para o lançamento da sua primeira nave espacial que tentará realizar um pouso suave na Lua --- o primeiro desde a era Apollo --- em uma colaboração histórica com o setor privado. O foguete gigante Vulcan Centaur, da United Launch Alliance, foi deslocado para sua plataforma de lançamento e agora aguarda a decolagem, que ocorrerá na segunda-feira. Mas, a celebração está longe de ser unânime.

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A Nação Navajo, a maior etnia indígena dos Estados Unidos, expressou sua preocupação pela presença de restos humanos cremados no módulo de pouso, classificando a missão como uma "profanação" da Lua, um astro sagrado em sua cultura.

Em uma carta de 21 de dezembro dirigida a funcionários da Nasa e do Departamento de Transportes, o presidente da Nação Navajo, Buu Nygren, expressou a "profunda preocupação e decepção" de sua comunidade e pediu à agência espacial americana que adiasse o lançamento.

"A Lua possui uma posição sagrada em muitas culturas indígenas, incluindo a nossa", escreveu Nygren. "O ato de depositar restos humanos e outros materiais na Lua, que poderiam ser percebidos como descartes em qualquer outro lugar, equivale à profanação deste espaço sagrado", adicionou.

O módulo Peregrine, da Astrobotic, viajará no foguete Vulcan Centaur para realizar sua viagem inaugural em uma parceria comercial com a Nasa destinada a economizar dinheiro para a agência espacial americana.

A agência pagou à Astrobotic e a outra empresa que planeia uma missão iminente, a Intuitive Machines, cerca de US$ 80 milhões para enviar o seu equipamento científico.

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Esses instrumentos explorarão a radiação da superfície lunar, ajudando a agência americana a se preparar melhor para as missões tripuladas previstas para o final desta década, com o programa Artemis. Também serão levadas cargas de duas empresas, Elysium Space e Celestis, contendo restos cremados e DNA dentro da sonda, que deverão permanecer na Lua.

A Elysium não forneceu detalhes sobre esta informação, mas a Celestis contará com 69 "participantes" individuais, incluindo o falecido criador da série Star Trek, Gene Roddenberry, o escritor de ficção científica Arthur C. Clarke e um cachorro chamado Indica-Noodle Fabiano. Os clientes pagaram um mínimo de US$ 12.995 (R$ 63.553 na cotação atual), segundo o site da empresa.

A fase superior do foguete Vulcan, que irá circundar o Sol depois de lançar o módulo de aterragem, transporta também mais membros do elenco do Star Trek, bem como o DNA dos presidentes George Washington, Dwight D. Eisenhower e John F Kennedy.

'Pedimos respeito'

Nygren acrescentou que a situação lembrava a missão Lunar Prospector, lançada pela Nasa em 1998, que explodiu uma sonda contra a superfície da Lua de forma intencional. O módulo levava os restos mortais do renomado geólogo Eugene Shoemaker, o que também foi criticado pelos navajo.

A Nasa então se desculpou e se comprometeu a consultar os indígenas no futuro, de acordo com um relatório publicado no jornal The Spokesman-Review, de Spokane, Washington.

Na sexta-feira, a Casa Branca convocou uma reunião de última hora para discutir a missão, informou a CNN. O encontro deverá contar com representantes da agência espacial americana, da Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês), do Departamento de Transportes americano e do Departamento de Comércio.

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O vice-administrador associado de exploração da agência espacial americana, Joel Kearns, disse na quinta-feira que uma equipe intergovernamental havia organizado uma reunião com a Nação Navajo, mas acrescentou que não tinha controle sobre seu parceiro privado.

— Levamos muito, muito, muito a sério as preocupações expressas pela Nação Navajo e acreditamos que vamos continuar esta conversa — disse Kearns aos repórteres, citado pela AFP.

À CNN, o CEO da Celestis, Charles Chafes, em tom menos reconciliador, disse reconhecer as preocupações expostas por Nygren, mas destacou que a empresa não as considera "substanciais".

— Assim como os memoriais permanentes para os falecidos estão presentes em todo o planeta Terra e não são considerados profanação, o nosso memorial na Lua é tratado com cuidado e reverência, é um monumento permanente que não ejeta intencionalmente cápsulas de voo na Lua. — pontuou Chafes. — É uma celebração comovente e apropriada para os nossos participantes, exatamente o oposto da profanação, é uma celebração.

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Em um comunicado, citado pela AFP, a empresa explicou ainda que o material permaneceria a bordo do módulo de pouso e não diretamente na superfície lunar. Chafes também foi incisivo ao defender que "ninguém, e nenhuma religião, é dono da Lua":

— Não permitimos e nunca permitimos que as crenças religiosas ditem os esforços espaciais da humanidade. Não há e não deveria haver um teste religioso.

O diretor executivo do Escritório da Nação Navajo, sediado em Washington, Justin Ahasteen, afirmou à CNN, que a intenção do povo não é reivindicar o astro, mas sim pedir "para ser respeitoso".

— Estamos transformando a lua em um cemitério e em um depósito de lixo. Em que ponto vamos parar e dizer que precisamos começar a proteger a Lua como fazemos com o Grand Canyon? — questiona.

Esta não será a primeira vez que o DNA humano chegará à superfície deste corpo celeste. Entre 1969 e 1972, quase 100 sacos de fezes e urina foram deixados pelos astronautas americanos durante os pousos lunares da missão Apollo.

Mais de 330 mil indígenas

Kearns afirmou que as crescentes associações privadas da Nasa poderiam levar a "mudanças na forma como estes temas são percebidos" ou ao estabelecimento de padrões industriais.

Apesar da convocação da Casa Branca, Ahasteen confessou estar pouco esperançoso de que a missão seja impedida:

— Com base no que estamos vendo, e a Nasa já está realizando seu briefing de pré-lançamento, não parece que eles tenham qualquer intenção de interromper o lançamento ou remover os restos mortais.

Os indígenas Navajos estão entre um dos maiores grupos étnicos da América do Norte, com uma terra maior do que o estado da Virgínia Ocidental. Sua população ultrapassa 330 mil, segundo um censo de 2010. Em 1920, foi descoberto petróleo nas terras indígenas desse povo, levando-o a criar três anos depois um governo para mediar e ajudar a atender a demanda das companhias petrolíferas americanas. Hoje, sua organização é uma das mais sofisticadas entre os povos indígenas do país, com um poder tripartite (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Conheça o foguete

O foguete Vulcan Centaur, da United Launch Alliance, tem 62 metros de altura, é vermelho e branco, e o sucessor dos lançadores Atlas V e Delta IV da ULA. Fixado em seu topo está o Peregrine Lunar Lander, construído pela Astrobotic, sediada em Pittsburgh, que deverá aterrar numa região de latitude média da Lua chamada Sinus Viscositatis, ou Baía da Pegajosidade, em meados de fevereiro.

A United Launch Alliance espera em breve começar a reutilizar os motores de propulsão da primeira fase, a fim de conseguir poupanças significativas.