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Rainha de bateria é obrigada a fazer raio-x em hospital para comprovar que não estava com drogas em aeroporto de SP

Cintia Batista, da Acadêmicos de Realengo, perdeu uma viagem a trabalho para Benim, na África, após a Polícia Federal identificar erroneamente irregularidades em seu nome e suspeitarem de tráfico

Agência O Globo - 06/01/2024
Rainha de bateria é obrigada a fazer raio-x em hospital para comprovar que não estava com drogas em aeroporto de SP
Polícia Federal - Foto: Reprodução

A rainha de bateria da Acadêmicos de Realengo Cintia Batista denunciou uma abordagem abusiva que sofreu por parte da Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Ela embarcaria para Benim, na África, na madrugada desta quinta-feira (4), quando ao apresentar o passaporte foi barrada pelos agentes devido a um suposto problema em seu nome. Posteriormente, após explicar que havia adicionado o sobrenome do pai e regularizado o documento, a sambista foi impedida de viajar por suspeita de transportar drogas. Ela foi obrigada a tirar a lace do cabelo e direcionada a um hospital para realizar um raio-x, a fim de averiguar se estava com substâncias dentro do corpo.

Ao EXTRA, Cíntia contou que faria uma viagem a trabalho junto a um grupo de cinco pessoas para dar uma palestra em Benim sobre o carnaval. A passagem estava agendada para a madrugada de quinta-feira e somente ela perdeu o voo devido ao ocorrido. Segundo a rainha de bateria, que também trabalha como professora de educação física, ela passou tranquilamente com seus pertences pela esteira do raio-x, mas foi barrada ao mostrar o passaporte. Na hora, relata, os policiais federais alegaram que havia irregularidades com o seu nome, mas não explicaram ao certo quais seriam elas.

— Eu fui até a cabine, apresentei meu passaporte e os policiais federais começaram a balançar a cabeça como se tivesse alguma irregularidade. Eu expliquei que meu nome era Cintia Barboza Batista, mas eu adicionei recentemente o sobrenome "Amaro", do meu pai. Mostrei o passaporte regularizado e o antigo, que ainda está na validade, disse que já havia viajado inúmeras vezes para o exterior, inclusive para a África, mas eles se recusaram a me deixar seguir viagem — afirma Cíntia.

Revista até na lace

Conforme relatado pela sambista, após apreenderem seu passaporte, os agentes da PF começaram a revistar seus pertences. Não encontrando drogas nas bagagens, ela foi obrigada a retirar a lace que usava na cabeça para comprovar que não estava carregando drogas dentro do cabelo. Cíntia conta ainda que foi colocada junto a outros cinco homens negros — também barrados por suspeita de tráfico — e depois foram encaminhados a um hospital em Guarulhos para a realização de uma tomografia, a fim de comprovar se carregavam drogas dentro do corpo. Após três horas de espera, o exame dela e de outros dois passageiros deu negativo.

— Eles abriram toda a minha mala, cheiraram até a pasta de dente e me mandaram tirar a lace. Isso já era mais de 1h da manhã e eu estava prestes a perder o voo. Alguns policiais queriam me liberar, mas havia um irredutível. Fiquei acordada até às 6h da manhã de quinta-feira, estava com fome, sede e sono. Fui tratada como criminosa e ainda perdi uma oportunidade de trabalho por um erro da polícia — lamenta a rainha de bateria.

De acordo com a advogada criminalista Carla Cristina Martins, a prática adotada pela PF de encaminhar a sambista para o hospital é considerada abusiva.

— Em casos de fundada suspeita de crimes, a Polícia Federal deve adotar uma série de medidas investigativas de praxe como, por exemplo, a revista pessoal e a busca na bagagem e nos pertences do passageiro, além de passagem no raio-x do aeroporto. Porém, a hipótese de encaminhar o passageiro para o hospital fora do aeroporto, com a finalidade de realizar exames médicos de natureza invasiva, torna-se abusiva e ofende os direitos constitucionais à dignidade da pessoa humana, de proteção ao corpo e à intimidade, bem como o privilégio contra a auto incriminação — explica a especialista.

Espera de 3h para fazer raio-x

No documento médico, ao qual o EXTRA teve acesso, consta que Cíntia teve que esperar três horas por atendimento médico para realizar a o raio-x. Ela chegou ao hospital por volta de 3h e só deixou a unidade às 6h. Por estar sem se alimentar e dormir, a rainha de bateria foi colocada em uma sala da Polícia Federal para descansar em um colchão no chão.

— Eu fiquei horas acordada e até sem fazer xixi. O que me chateia é que eles primeiro alegaram problema com o nome, eu comprovei, e desconfiaram que eu estava com droga, mesmo nada tendo apitado ou aparecido no raio-x — desafaba. — Depois que finalmente viram que eu sou inocente, os policiais me olhavam com olhar de arrependimento, mas também não resolveram o problema da minha viagem — acrescenta.

Por não ter conseguido nova passagem, Cíntia ficou por toda a tarde desta sexta-feira no Aeroporto de Guarulhos. À rainha de bateria, a Ethiopian Airlines, empresa que faria o trajeto até Benim, informou que ela teria que aguardar a disponibilidade de vaga e que o erro deveria ser compensado pela Polícia Federal.

Procurados, a PF e o Aeroporto de Guarulhos ainda não se pronunciaram sobre o caso.