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Balanço de fim de ano: o que você mantém e do que você abre mão? Série 'Fim' inspira reflexões

Produção disponível no Globoplay acompanha um grupo de amigos ao longo de décadas, mostrando a finitude de todos; se a morte é inevitável, como viver melhor até lá?

Agência O Globo - 17/12/2023
Balanço de fim de ano: o que você mantém e do que você abre mão? Série 'Fim' inspira reflexões
Ribeiro Emilio Dantas - Foto: Reprodução

Entre os caras do grupo, Ribeiro (Emilio Dantas) foi um dos mais longevos, no entanto, morreu só. Teve uma vida que podemos julgar triste se comparada a dos outros membros. Não foi correspondido pelo grande amor. Soube tarde demais que tinha um filho. Já Silvio (Bruno Mazzeo) fez o que queria, até orgia. E, devido aos seus excessos, deixou esse plano antes.

Dezembro chegou, e começa aquele clima de balanço do ano, pra tentar fazer diferente nos próximos 365 dias. Ou repetir tudo. Então, pergunto: você prefere viver inconsequentemente com riscos de partir antes? Ou encarar seus dias de modo mais manso — que muitos até consideram chato — tentando durar mais por aqui? Como será nosso fim?

Falei sobre uma série documental na semana passada e alguns leitores comentaram sobre outra produção ficcional, “Fim’’, baseada no livro de mesmo nome escrito por Fernanda Torres. Um deles mandou mensagem: “Adorei. Não tenho mais medo de morrer. Cada um faz suas escolhas, erra e acerta. E pra cada um acaba de um jeito. Mas ninguém foge disso”. Um resumo interessante. A linha de chegada da experiência por aqui todos sabemos qual é. As incertezas se dão no caminho até lá. Por onde ir? O que aceitar ou negar? E um dos pontos que me chama atenção nessa história, disponível no Globoplay e que teve o primeiro episódio exibido na Globo, foi que quem nos cerca faz diferença no trajeto, obviamente, já que vivemos em sociedade. Mas fazer algumas escolhas importantes é um processo individual.

A trama é uma celebração à amizade, aprofundando-se em tudo o que relações fortes têm de bom e podem ter de danoso também, ao longo de anos de convivência, da juventude à maturidade. O já citado Silvio é um personagem arrebatador, ao mesmo tempo que um ser execrável. Egoísta, tóxico, arrogante ao extremo com seus pares que optam por rumos diferentes. Mas sempre a postos para a festa. Aquele ser que muita gente consideraria uma ameaça para os casados e que é a companhia perfeita para uma farra após um pé na bunda. No mesmo núcleo há Neto (David Junior), trabalhador e responsável. Mas sua mulher, Célia (Heloisa Jorge), segue a máxima “diga-me com quem andas que eu te direi quem tu és’’ para pegar no pé do marido. Como julga que os outros são má influência, inferniza o parceiro exageradamente. Se, por acaso, Neto saísse da linha, a culpa seria de quem? Provavelmente dos amigos, ela consideraria. Mas, se somos adultos, o B.O. é nosso mesmo. Temos que assumir. Entre os protagonistas, ainda destacaria Irene (Débora Falabella) que, desgostosa com a vida, menospreza o parceiro e pai de sua filha, Álvaro (Thelmo Fernandes). Um cara tão bacana que nunca foi amado. Quantas pessoas legais como ele morrerão sem ser amadas de verdade?

Faço a provocação porque, compartilhando impressões com outra pessoa que já assistiu a “Fim’’, ela me dizia que chamou sua atenção o fato de vários personagens se tornarem e terminarem tristes. Ponderei que a velhice em si — e não que eu considere isso uma regra — carrega inevitavelmente uma melancolia. Ela tem dificuldade de considerar isso porque enxerga o mundo sob o seu viés, ainda tem a juventude a seu favor, usufruindo de todos os seus prazeres, sem temer a solidão. Mesmo que saia só, será notada, atrairá olhares, arrumará companhias. Mas muita gente, conforme se aproxima do fim da vida, perde tudo isso. Pode acontecer com todo mundo. Comigo e com você.

Então o que a gente faz? Escolhas durante o caminho! Elas não garantem um final feliz (poxa, eu lamentei tanto pelo Ribeiro ao longo dos episódios...). Mas elas possibilitam que a gente usufrua de nossa trajetória efetivamente, dia a dia, seja você aquela pessoa que opta por aventuras radicais ou por introspecção. Há uma passagem interessante na trama, quando Ciro (Fabio Assunção) pergunta à mulher, Irene (Ruth), se eles devem insistir na “chatice’’ do almoço de Natal, já que parte do pessoal está brigado, um clima desagradável. Ela diz que sim, lembra que aquilo é uma tradição há anos entre eles, importante de ser mantida. Depois disso, o grupo ainda segue convivendo por muitos anos, brigando aqui e se acertando ali.

A vida, não só no último mês do ano, é um constante balanço. No que vamos seguir insistindo? O que a gente vai priorizar, quem a gente quer manter, com quem a gente quer trocar, que relações cultivar? Mesmo e principalmente nas dificuldades, vale a gente se fazer essas perguntas. Se o fim é inevitável, quero tentar curtir da melhor forma até a véspera. Seja só ou bem acompanhada.

Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: [email protected]