Economia

Rio de cara nova: do Mercadinho São José ao Jardim de Alah, cidade aposta na revitalização

Com iniciativas do empresariado e do poder público, projetos de modernização e lançamento de empreendimentos culturais marcam processo de retomada

Agência O Globo - 16/12/2023
Rio de cara nova: do Mercadinho São José ao Jardim de Alah, cidade aposta na revitalização
Rio de Janeiro - Foto: Reprodução

Tendo como símbolos o Pão de Açúcar e o Corcovado, poucas metrópoles do mundo precisam se esforçar menos que o Rio para encantar. Mas é justamente essa cidade que, remando contra anos de crise e esvaziamento, dá hoje à luz uma profusão de iniciativas que resgatam do abandono ícones do seu legado como capital cultural do Brasil e buscam atualizar seu arsenal turístico.

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Do Roxy ao Mercadinho São José, do Canecão ao Jardim de Alah, a maioria dos espaços ainda precisa se provar para além das pranchetas e poucos escapam à controvérsia. Mas o que até as críticas atestam é unanimidade: o Rio está se mexendo.

Embora sugiram tendência, os projetos são muitas vezes resultado de iniciativas individuais de empresários que enxergam no Rio um potencial comercial não raro desperdiçado. Suíço por acaso e carioca por vocação, Luiz Calainho está por trás do recente renascimento do Teatro Tom Jobim, dentro do Jardim Botânico, e da volta à cidade da franquia global de clubes de jazz Blue Note.

— A pandemia mostrou a importância da economia criativa, fazendo com que houvesse um crescimento substancial de público. No lado da oferta, as empresas compreenderam o retorno do investimento no setor. Daí a multiplicação de patrocínios e acordos de naming rights que viabilizam novos espaços e festivais — justifica Calainho. — E entretenimento está visceralmente conectado ao turismo. Por isso estou convencido de que as iniciativas em curso marcam um ponto de virada para a cidade.

Passado e presente juntos

O Teatro Tom Jobim é um exemplo de como passado e presente podem se combinar em novos espaços. À frente da maior produtora de espetáculos musicais do Brasil, a Aventura, Calainho foi frequentador assíduo do espaço, que fechou as portas em 2017.

O empresário chegou a sondar, sem sucesso, a administração anterior do Jardim Botânico para reabri-lo. Mas foi a presença de um filho pequeno em casa em plena pandemia que selou o destino da empreitada:

— Quando a gente tem filho, a gente pensa: aonde vamos levá-lo? Percebi que a cidade tinha enorme carência de espaços pensados para o público infantojuvenil, com produções de excelência. Quando soube que ele seria licitado, resolvemos concorrer com um projeto mirando as crianças e vencemos.

O espaço renasceu há um ano como EcoVilla Ri Happy, com patrocínio da loja de brinquedos e investimento de R$ 5,8 milhões em obras. E, em outubro, a nova Sala Tom Jobim recuperou sua vocação inicial na faixa noturna, recebendo espetáculos adultos. A primeira peça em cartaz foi “À sombra do pai”, um monólogo de Pedro Cardoso.

Já o Blue Note do Rio renasceu após ter sido vítima da pandemia. Foi o próprio Calainho que trouxe a casa de jazz para a cidade em 2017, na primeira filial do clube no Hemisfério Sul. Pouco antes da Covid, o clube se mudou da Lagoa para Ipanema, mas sucumbiu à quarentena. O empresário penou anos para reencontrar um endereço à altura, até chegar à Avenida Atlântica, a rua onde nasceu a bossa nova. A casa reabriu em outubro no endereço da antiga boate Bolero, a menos de dois minutos a pé do Copacabana Palace.

— O Blue Note está presente em algumas das principais capitais do mundo e é um must go-place em cidades como Nova York e Tóquio. Tê-lo no Rio coloca a cidade no circuito global de lugares que privilegiam a cultura de alto nível — avalia o dono

A um quilômetro e meio dali, na mesma Copacabana, o sócio de Calainho no Noites Cariocas vive os meses finais da obra que colocará de pé um projeto orçado em R$ 60 milhões.

Trata-se do Roxy, que foi por décadas o maior cinema do Brasil e será convertido em dinner show para turistas, com inauguração prevista para março. À frente da empreitada está Alexandre Accioly, dono da Bodytech e da casa de shows QualiStage, que se associou a Dody Sirena, ex-empresário de Roberto Carlos.

Cinéfilos torceram o nariz para o destino do imóvel, e uma comunidade de 1,5 mil membros nas redes sociais batizada de “Salve o Roxy!” se mantém mobilizada contra o projeto. Os críticos argumentam que o espaço voltado ao turista, com entradas a partir de R$ 480 (espetáculo com jantar), será excludente.

Mas Accioly defende seu plano para o Roxy de maneira entusiasmada.

— Toda grande cidade do mundo tem um lugar destinado ao turista, como o Moulin Rouge de Paris ou as casas de tango em Buenos Aires, mas o Rio simplesmente não tem. Por sua vocação turística, precisa urgentemente globalizar sua oferta de lazer — conta o empresário. — Além disso, o cinema já estava fechado e ia se tornar uma loja de artigos esportivos. Nesse sentido, como equipamento cultural, nosso projeto salva o Roxy.

Accioly também toca a recuperação de outra “joia abandonada” do Rio, inaugurada no mesmo ano que o Roxy, 1938: o Jardim de Alah, no entroncamento entre Ipanema, Lagoa e Leblon. O empresário formou o Consórcio Rio + Verde, que venceu a licitação municipal para recuperar e manter o parque por 35 anos, com investimento inicial de R$ 110 milhões.

Além da revitalização arquitetônica, o plano prevê a construção de playgrounds, quadras poliesportivas, área para restaurantes — ao espírito do Mercado da Ribeira de Lisboa, diz Accioly — e lojas cobertas por jardim suspenso e até estacionamento subterrâneo. O projeto tem a grife dos arquitetos Miguel Pinto Guimarães e Sergio Conde Caldas.

Mas, desde antes da licitação, o novo Jardim de Alah já mobilizava artistas e moradores contra o projeto. Temiam suposto risco de descaracterização de área tombada. Em setembro, até o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa se envolveu na disputa: foi ao X (antigo Twitter) se manifestar contra a proposta.

— As críticas vêm de uma minoria e desconsideram os detalhes do que planejamos — rebate o empresário.

A previsão de entrega do Jardim de Alah é 2025, o mesmo ano em que o novo Canecão deve abrir as portas. Uma das casas de show mais emblemáticas do país, o espaço em Botafogo estava fechado desde 2010 — deteriorando aos olhos de cariocas que se acostumaram a ver naquele palco artistas consagrados como Roberto Carlos, Tom Jobim, Chico Buarque, Clara Nunes e Bill Evans.

Incentivo do poder público

O novo empreendimento será erguido no campus da UFRJ na Praia Vermelha, perto de onde funcionava o prédio antigo. Quem vai operá-lo é o consórcio Bonus-Klefer,que venceu leilão organizado por BNDES e UFRJ.

O lance vencedor foi de R$ 4,3 milhões.À frente do consórcio estão os empresários Luiz Oscar Niemeyer, da firma de eventos Bonus Track, e o ex-presidente do Flamengo Kleber Leite, dono da empresa de marketing esportivo Klefer Entretenimento. Filho do neurocirurgião Paulo Niemeyer, foi o dono da Bonus Track que trouxe Paul McCartney para o Brasil em 1990.

— Há um movimento holístico, que abarca todo o Rio. Ele vai no sentido de elevar a oferta e restabelecer o Rio como polo de lazer e cultura. Nossa esperança é que se transforme em um renascimento pleno — comenta Alexandre Sampaio, diretor do Conselho de Turismo daConfederação Nacional do Comércio (CNC).

Parte das iniciativas tem o incentivo do poder público. Assim como o Jardim de Alah, a prefeitura concedeu para a iniciativa privada o Mercado São José das Artes, espaço em Laranjeiras conhecido pelos cariocas como Mercadinho São José. Tombado desde 1994, o imóvel está abandonado desde 2018.

Ele pertencia ao INSS e foi comprado pela prefeitura por R$ 3 milhões. Em setembro, o Mercadinho foi assumido pelo consórcio formado pelas empresas Junta Local e Engeprat, que farão a gestão por 25 anos.

Em troca, investirão R$ 8,5 milhões na reforma e pagarão à cidade 10% do faturamento com patrocínio e eventos. A previsão é que o novo Mercadinho São José seja aberto na segunda metade do ano que vem.

Enquanto isso, no Centro, outro projeto municipal visa a revitalizar a Rua da Carioca, cujo esvaziamento se acentuou na pandemia.

O plano da prefeitura é transformá-la em “Rua da Cerveja”, um polo boêmio com cervejarias artesanais e biergärten para apreciadores da bebida. Foram abertos editais para atracão de empresários e donos de imóveis interessados no projeto, que terá subsídios para adaptação dos espaços.

— São atividades que vão se somando. O empresário tem que ter segurança jurídica para atuar, e a gente tem procurado fazer isso com foco em trazer vida e ativação para a região do Centro — explica Chicão Bulhões, secretário de Desenvolvimento Econômico da prefeitura do Rio.