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Em meio a trégua com Hamas, Israel aperta o cerco na Cisjordânia e pode abrir uma nova frente de batalha

Número de palestinos mortos por soldados ou colonos israelenses no território israelense desde 7 de outubro já é maior que o montante de 2022, segundo dados oficias e da ONU

Agência O Globo - 01/12/2023
Em meio a trégua com Hamas, Israel aperta o cerco na Cisjordânia e pode abrir uma nova frente de batalha
israel - Foto: Reprodução

Enquanto os olhos se voltam para a guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, as tensões escalam na Cisjordânia ocupada, distante 100 km da principal frente de batalha. Na quinta-feira, dois palestinos abriram fogo contra civis judeus em um ponto de ônibus em Jerusalém Oriental, matando três pessoas. No mesmo dia, um relatório do Ministério da Saúde revelou que o número de palestinos mortos por soldados ou colonos israelenses na região desde 7 de outubro já havia ultrapassado o montante de 2022. Em meio a uma trégua frágil entre o Estado israelense e o grupo palestino fundamentalista, muitos temem que o pior ainda esteja por vir, com uma ampliação do conflito para outros territórios.

— Prisões em massa, aumento da violência por parte dos colonos, buscas e operações constantes das forças policiais, assassinatos direcionados já estavam acontecendo na Cisjordânia antes da guerra, mas depois de 7 de outubro, ficou cada vez pior — disse ao GLOBO Tahani Mustafa, analista sênior do Crisis Group, especialista em Israel-Palestina. — Isso definitivamente abrirá uma nova frente de batalha.

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Segundo a agência de notícias Anadolu, nos últimos dois meses, as Forças Armadas de Israel e os colonos judeus mataram 242 palestinos na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental. Em 2022 haviam sido 171 de janeiro a dezembro, segundo dados do Escritório de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha). A cifra representa quase metade de todas as mortes de palestinos na Cisjordânia este ano (452), de acordo com o Ocha.

O relatório das Nações Unidas revela ainda que cerca de dois terços das mortes na Cisjordânia desde 7 de outubro ocorreram durante confrontos que se seguiram a operações israelenses de busca e apreensão, principalmente nas províncias de Jenin e Tulkarm.

Israel lançou várias incursões na Cisjordânia ocupada nas últimas semanas que, juntamente com os atos de violência dos colonos judeus, “estão cobrando um preço cada vez maior” na região, afirma Mustafa. Ao mesmo tempo, as forças de segurança bloquearam o território, fechando estradas e impondo restrições ao deslocamento interno, além de reprimir severamente a expressão política palestina.

— Os militares israelenses instalaram postos de controle improvisados e barreiras nas estradas, impedindo que os palestinos se desloquem livremente — explica a especialista. — As milícias de colonos judeus também se expandiram e passaram a bloquear os acessos a cidades e vilarejos da região. Há grupos de colonos armados em torno das entradas e saídas, e qualquer pessoa que tente sair ou entrar é atacada.

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A economia local também está paralisada, com um custo particularmente alto para a colheita de azeitonas que ocorre em outubro e novembro.

— Mais de 15 comunidades palestinas foram desalojadas devido aos graves danos causados às suas propriedades pelos colonos judeus. Além de impediram os agricultores de acessar suas terras, eles estão destruindo plantações inteiras e equipamentos agrícolas — relatou Mustafa. — Isso levou a uma escassez de alimentos na Cisjordânia, onde os preços também dispararam.

O aumento da violência por parte dos colonos judeus, por outro lado, levou a um fortalecimento de uma nova geração de grupos armados que surgiram entre os palestinos da Cisjordânia nos últimos dois anos. Segundo Mustafa, milícias como as Brigadas de Jenin e os Black Cave, que parecem não ter alinhamento e agir de forma independente, têm recorrido à violência armada como única resposta aos ataques israelenses.

— Geralmente esses grupos são formados por palestinos que cresceram em lugares como Nablus, Hebron e Jenin, que são cercados por assentamentos de colonos violentos. Por isso costumam ter um sentimento de desespero e frustração. Muitos vêm de famílias que têm pessoas presas ou que foram mortas pelas Forças Armadas de Israel — destacou.

Apelo dos EUA

Além das mortes, as forças israelenses feriram 2.866 palestinos na Cisjordânia desde 7 de outubro, incluindo ao menos 364 crianças, mais da metade delas em contexto de manifestações pró-Gaza, de acordo com dados do Ocha. Outros 78 palestinos foram feridos por colonos. Cerca de um terço desses ferimentos foram causados por munição real.

O exército israelense também prendeu, no mesmo período, mais de 3 mil palestinos da Cisjordânia, além dos 5.200 palestinos já detidos em prisões israelenses antes de 7 de outubro, segundo a mesma fonte.

No início do mês, um pedido do governo de Israel para que os Estados Unidos enviassem 24 mil fuzis de assalto ao país chamou atenção de parlamentares e alguns funcionários do Departamento de Estado. Eles disseram temer que as armas terminassem nas mãos de colonos e milícias civis.

As três remessas de fuzis semiautomáticos e automáticos foram avaliadas em US$ 34 milhões (R$ 166,5 milhões) e foram encomendadas diretamente de fabricantes de armas nos EUA, mas precisam de aprovação do Departamento de Estado e notificação no Congresso. Israel afirma que as armas seriam usadas pelas Forças Armadas do país, mas também indicou que poderiam ser entregues a civis.

O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, se reuniu na quinta-feira com o presidente israelense, Isaac Herzog, e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em Tel Aviv, antes de viajar para Ramallah, onde se encontrou com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmud Abbas, que governa a Cisjordânia ocupada.

Blinken enfatizou a necessidade de Israel diminuir as tensões na Cisjordânia, incluindo medidas imediatas para responsabilizar os colonos extremistas pela violência contra civis palestinos, de acordo com o porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller. Também destacou o compromisso dos EUA de tomar medidas tangíveis para promover um Estado palestino que viva em paz, liberdade e segurança ao lado de Israel.

“Conversei com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, em Ramallah, sobre o conflito em Gaza e medidas para melhorar a segurança e a liberdade dos palestinos na Cisjordânia”, escreveu Blinken na rede social X (antigo Twitter). “Reiterei o compromisso dos EUA de promover o estabelecimento de um Estado palestino.”