Internacional

Ofensiva em Gaza põe Israel em encruzilhada interna e externa e impõe barreiras à luta contra o Hamas

Impacto na população civil e em infraestruturas humanitárias corrói o apoio internacional ao Estado judeu, enquanto sociedade civil e rivais políticos de Benjamin Netanyahu questionam condução da guerra e falta de resultados após seis semanas

Agência O Globo - 18/11/2023
Ofensiva em Gaza põe Israel em encruzilhada interna e externa e impõe barreiras à luta contra o Hamas

À medida que os soldados israelenses avançam sobre o território palestino de Gaza à procura de centros de comando subterrâneos do Hamas, crescem as pressões interna e externa para que o governo de Benjamin Netanyahu apresente o prometido desfecho para o conflito — a eliminação completa do grupo terrorista e a libertação dos reféns capturados durante o ataque de 7 de outubro. Diante do alto impacto para a população civil e infraestrutura humanitária do enclave, sobretudo os centros hospitalares, autoridades do gabinete do premier admitem que a janela de legitimidade perante a comunidade internacional para emplacar sua operação militar está se fechando, colocando o país na delicada posição de conciliar a continuidade da ofensiva e as baixas civis, bem como o tempo da ocupação e a decisão do que fazer após a retirada de Gaza.

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Passadas três semanas da invasão terrestre em larga escala contra Gaza — e seis de conflito, ao todo — as Forças Armadas de Israel afirmam ter tomado o controle de parte do norte do território, incluindo a parcela ocidental da Cidade de Gaza. As tropas israelenses tomaram centros de poder palestinos, como o Parlamento, a sede da Polícia, além do porto da capital, sem sinal de maiores dificuldades ou grandes baixas em suas fileiras. Em contrapartida, um dos sucessos estratégicos do plano militar se converteu, na última semana, no maiores revés para o país.

A entrada de tropas em hospitais no norte de Gaza, incluindo o al-Shifa, maior do enclave, e o al-Rantisi, especializado em cuidados pediátricos, provocou uma reação em cadeia de críticas ao redor do mundo. Organizações internacionais como a Cruz Vermelha, a OMS e escritórios da ONU condenaram a operação, e mesmo aliados de primeira ordem, como os EUA e o Reino Unido, exigiram nesta semana que o Estado judeu fosse pouco "intrusivo" nas ações contra os centros médicos — que o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, afirma não terem mais capacidade de atender pacientes, diante do cerco a insumos básicos, incluindo combustível para geradores de energia elétrica.

Antes mesmo da invasão por terra, já era sabido que os hospitais estavam na mira de Israel. Ainda em outubro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, publicou um vídeo com projeções do que seria o centro de comando do Hamas abaixo do al-Shifa, baseado em relatórios de inteligência. Fontes americanas e europeias confirmaram ter checado as mesmas informações, o que não foi suficiente para diminuir o choque da comunidade internacional com a invasão dos hospitais por soldados.

Na esteira da ação contra os hospitais, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução que pediu a libertação imediata de todos os reféns mantidos pelo Hamas e também a implementação de um regime de "pausas humanitárias" na Faixa de Gaza. Classificada por Israel como "sem sentido" e "descolada da realidade", a medida não foi vetada por nenhum de seus aliados, que até então não haviam aceitado nenhuma formulação de texto.

Risco aos objetivos

Mesmo antes da aprovação da resolução da ONU, autoridades israelenses já admitiam que o apoio internacional à causa israelense esmorece a medida que as imagens dos atentados de 7 de outubro dão lugar à tragédia humanitária em Gaza. No começo da semana, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, estimou que o país tem pouco tempo até que a pressão internacional alcançar um nível preocupante. "Nós temos duas ou três semanas até a pressão internacional crescer, mas o Ministério das Relações Exteriores está trabalhando para aumentar essa janela de legitimidade", disse o chanceler, em uma declaração lida por um de seus porta-vozes.

A análise temporal também é levada em consideração por estrategistas aliados. Na quarta-feira da semana passada, o general Charles Quinton Brown Jr., presidente do Estado-Maior Conjunto dos EUA, afirmou que os militares israelenses têm "um tempo limitado" para concluir as operações no território palestino, antes que a raiva entre os árabes na região e a frustração interna nos EUA e em outros países pelo número crescente de mortes de civis impedissem Israel de alcançar seus objetivos.

Pouco depois do atentado terrorista de 7 de outubro, quando Netanyahu já havia definido a destruição do Hamas e o resgate dos reféns como meta, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, apresentou um plano em três fases para alcançá-la: a primeira, com o bombardeio e a invasão terrestre de Gaza; a segunda, por uma luta contínua e de baixa intensidade contra bolsões de resistência terrorista; e a terceira, a retirada dos soldados e a criação de um novo "regime de segurança" para a região, que implicaria a perda de território palestino para a criação de uma zona neutra.

Embora o próprio Gallant tenha afirmado, na quarta-feira, que as Forças Armadas se preparavam para a "próxima fase" da invasão terrestre após o início da operação nos hospitais — embora não esteja claro se o comentário se referia à fase de guerra de baixa intensidade, prevista inicialmente, ou apenas uma extensão da invasão por terra — o cenário é desfavorável a Israel.

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Informações de inteligência apontam que embora tenha pedido o controle de partes importantes do norte, o Hamas reorganizou suas tropas no sul, para onde grande parte da população civil se deslocou após o ultimato israelense para desocupação de territórios. As redes subterrâneas, ao menos pelo que é de conhecimento público, também não foram profundamente afetadas. Para erradicar os combatentes, portanto, Israel ainda precisaria guerrear em uma zona densamente povoada, algo que o tempo e a pressão internacional pesam contra.

Apesar da projeção negativa sobre o tempo restante, Cohen afirmou em seu comunicado que "a luta vai continuar enquanto for necessário", uma posição que chancelaria a guerra de baixa intensidade, como planejado inicialmente por Gallant, que é, sobretudo, um conflito prolongado. Contudo, mesmo que Israel esteja disposto a ir até o fim contra os terroristas palestinos, Brown afirma que uma preocupação americana é que cada morto por Israel em Gaza resulte em um novo militante para o Hamas, prolongando o problema por mais uma geração.

Divisões internas

Embora a diplomacia israelense esteja trabalhando para ampliar sua janela de operações em Gaza, sem tornar sua situação perante a comunidade internacional insustentável, internamente o governo tenta dirimir uma forte pressão interna, de adversários políticos e da sociedade civil.

O apoio quase unanime à luta contra o Hamas, logo após o atentado terrorista, deu espaço a um cenário de divisões internas e questionamentos ao gabinete de Netanyahu. Mesmo com maioria no Parlamento e a convocação de um governo de unidade nacional, reunindo líderes de oposição, como seu ex-rival Benny Gantz, para lidar com a crise, Netanyahu não conseguiu se livrar das cobranças.

Na quinta-feira, o líder da oposição Yair Lapid, ex-premier de Israel, pediu a renúncia imediata de Netanyahu, ao propor uma moção de voto de desconfiança contra o chefe do Likud. Lapid afirmou que o premier não tinha condições de permanecer no poder após o fracasso de garantir a segurança dos israelenses após o ataque do dia 7 de outubro. O partido governista emitiu uma nota condenando a iniciativa do opositor como uma medida "vergonhosa" em "tempos de guerra".

Fora do espectro político-partidário, os avanços no norte de Gaza e resultados apresentados pelas Forças Armadas não foram suficientes para aplacar a fúria de cidadãos que tiveram seus parentes e amigos sequestrados pelo Hamas, e que reclamam da inércia do governo em devolvê-los seus entes queridos. Uma marcha em protesto ao governo saiu no começo da semana de Tel Aviv, em direção ao gabinete de Netanyahu, em Jerusalém, para exigir medidas mais enérgicas.

Em parte, há um clamor popular para que o governo resgate os reféns a qualquer custo, mesmo que isso signifique negociar com o Hamas — algo que Netanyahu e seus aliados de extrema direita são resistentes em admitir. Soma-se a ansiedade pela volta dos sequestrados a fúria pela falha de segurança que permitiu uma ação de larga escala do grupo terrorista contra uma das linhas de defesa mais modernas do mundo.