Internacional
Carta de Bin Laden contra EUA viraliza 21 anos depois: orgânico ou orquestrado?
Vídeos com jovens lendo o texto do principal responsável pelos ataques de 11 de Setembro levantam questões sobre 'ressignificação' do líder da al-Qaeda
Desde o começo da semana, começaram a surgir vídeos no TikTok, a mais conhecida plataforma de vídeos curtos do planeta, com uma temática que até poucos anos seria inapropriada, especialmente no Ocidente: jovens, que são o principal público do aplicativo, citam com admiração a carta que Osama bin Laden, líder da al-Qaeda e responsável pelos ataques de 11 de Setembro de 2001 no EUA, escreveu para tentar justificar seus atos.
— Eu li as oito páginas [do texto], e é tão bem escrita e tão bem estruturada — diz uma usuária.
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Em outros vídeos assistidos pela reportagem do GLOBO, pessoas dizem ter entrado em uma "crise existencial" depois de ler o texto, publicado em 2002, e recomendam que outros também se informem sobre o que escreveu Bin Laden.
— Preciso que todo mundo pare o que está fazendo agora mesmo e vá ler "Uma Carta para a América". Depois voltem e me digam o que acharam. Porque eu sinto como se estivesse em uma crise existencial agora mesmo, e muitas pessoas também se sentem assim. Então eu preciso que mais pessoas sintam isso também — disse outra usuária, em um vídeo com alguns milhares de compartilhamentos e mais de um milhão de visualizações.
Houve ainda aqueles que disseram que "sentiram seus olhos serem abertos" para as ideias do fundador e líder de uma organização terrorista que deixou milhares de vítimas e que foi morto por forças especiais dos EUA em uma casa na pacata Abbotabad, nos arredores da capital do Paquistão, Islamabad, em maio de 2011.
— É incrível. Acho que todo mundo deveria ler. Se você não leu ainda, leia — disse uma outra usuária. — Contudo, fica o alerta de que ela me deixou bem desiludida com tudo, da mesma forma como me senti desiludida quando estava desconstruindo meu cristianismo. Como se tivesse entrado em uma nova linha do tempo, como "o que é isso?".
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A repercussão foi tanta que o jornal Guardian, para onde as buscas pela carta no Google estavam sendo direcionadas, apagou o texto, que havia sido publicado pelo jornal em 2002, pouco antes de sua divulgação. Mas não é difícil encontrá-lo: em uma rápida pesquisa, o GLOBO visualizou a carta em dezenas de páginas, no original, em árabe, em inglês e em outros idiomas. O Guardian não explicou os motivos para a retirada.
Discurso jihadista
Mas afinal, o que diz "Uma Carta para a América?". A base do texto, considerado uma peça central da doutrina jihadista, é a tentativa de Bin Laden de explicar ao público dos EUA seus motivos para sequestrar quatro aviões e os lançar contra as Torres Gêmeas, em Nova York, e contra o Pentágono, em Washington — o voo United 93, acredita-se, rumava em direção ao Congresso ou à Casa Branca, mas caiu em uma área rural da Pensilvânia, quando os passageiros tentavam retomar o controle do Boeing 757-200.
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Logo na abertura, ele menciona a situação na Palestina — o que pode ter sido o estopim para o texto vir à tona novamente depois de 21 anos. Ele afirma que a criação do Estado de Israel é baseada em uma "mentira", e que são os árabes os reais donos daquelas terras. Bin Laden usa argumentos abertamente antissemitas, como alegação de que os governos dos EUA e aliados "se renderam" aos judeus, e até um velho expediente repetido ao longo dos séculos, o de que os judeus "tomaram o controle" da economia americana.
O líder terrorista intercala suas falas antissemitas com acusações de abusos cometidos pelos EUA e aliados, citando as sanções impostas pelo Ocidente ao Iraque, ainda sob Saddam Hussein (1979-2003), que provocaram uma crise humanitária no começo do século. Ele não esquece o fundamentalismo religioso ao afirmar que os EUA são uma "nação tomada pelas drogas", que "permite atos de imoralidade", "incentiva as apostas" e lucra com o "comércio do sexo" — ironicamente, depois do ataque à casa de Bin Laden em Abbottabad, militares americanos relataram ter descoberto uma quantidade considerável de pornografia nos computadores do líder da al-Qaeda.
Agora que os vídeos viralizaram, fica a questão: esse foi um fenômeno orgânico, ou seja, surgiu de forma espontânea, ou se trata de algo orquestrado? Até o momento, especialistas ficam com a primeira hipótese: em entrevista ao Washington Post, Charlie Winter, diretor de pesquisa da plataforma de inteligência ExTrac, nota que, com algumas exceções, os tiktokers estão divulgando apenas trechos da carta de Bin Laden, especialmente os relacionados à Palestina, e não tudo que o texto prega.
— Não sei se é porque as pessoas não estão lendo de verdade, ou se, quando estão lendo, só prestam atenção nos trechos que querem ler — disse Winter, reforçando que a carta defende abertamente o genocídio dos que não se sujeitarem aos preceitos ali escritos.
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Há que se levar em consideração que a maioria dos usuários que promovem a carta está nos EUA, onde há um debate intenso e uma polarização sensível sobre o tema da guerra em Gaza. Universidades, como Columbia e Harvard, estão banindo organizações setoriais e sendo acusadas de censura. Há ainda críticas à forma como a imprensa profissional está cobrindo o conflito, com acusações de que os jornalistas adotam um viés pró-Israel.
Neste cenário, especialistas como Winter apontam que o ressurgimento da carta pode ser parte desse contexto inflamado, e dizem que, até o momento, não há sinais de uma tentativa deliberada de reabilitação de Osama bin Laden em curso por parte de extremistas. Também é impossível não notar que, para boa parte dos autores dos vídeos, o 11 de Setembro é um episódio que conhecem apenas dos livros de História, dos relatos de pais e parentes e, mais do que nunca, da Internet
— É até algo irônico, porque as pessoas que se consideram consumidores críticos da grande mídia estão consumindo isso [a carta de Bin Laden] de uma forma acrítica, e não estão pensando em todo o contexto em torno dela, não estão pensando em tudo que aconteceu um ano antes do texto ser publicado, de qualquer forma — concluiu ao Washington Post.
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