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Malbec, conta, táxi. Fui
Quarenta e alguns anos, livre do marido, vitoriosa nos negócios, inteligente, bem lida, sensível, dona de si. Com a vantagem de saber que era isso e mais. Havia de jantar, fez-se mais bela, saiu. Foi caminhando. Entrou, sentou-se, pediu Malbec. Ela, o vinho, ninguém mais e um monte de gente: Facebook.
Conversa com o filho, concorda, discorda, ajuste de conduta:
– Agora, filho, te cuida. Boa noite.
Adicionados... adicionados... quem seria interessante? Nada de gente corriqueira... Alguém que não seja igual, mas que se permita conhecer:
– Oi, como vai?
– Bem... mas você quer mesmo saber?
– Ah!, incomodo?
– Não, a pergunta foi para deixá-la em desvantagem por um instante.
– E, nesse instante, você quer vantagem para quê?
– Para saber.
– Saber!?
– Claro. Saber por que você necessita falar com alguém.
Foi impactada. Parou de teclar, havia que se recompor. Retomou, cautelosa:
– Por que você acredita que necessito?
– Ora, porque você está, exatamente, procurando alguém para conversar. E perceba a reação ao necessita, como se necessitar fosse um mal.
– Não necessito, eu quero.
– Olha, querer é direcionar desejos. E você pode trocar necessitar por sentir vontade. Você conjugue-se no verbo que lhe apeteça. Atônita, concordava, mas não podia concordar. E não tinha argumento para contestar. Lágrimas viriam, se ela lhas permitisse virem:
– Desculpe.
– Pelo quê?
– Não sei, ai!, desculpe.
– Não desculpo, não há culpa, ou ambos somos culpados. Se estou com esse negócio on, também quero conversar. Você só teve a coragem de iniciar. Não desculpo. Antes, agradeço.
– Você já me transtorna, você já me apazígua, rsrsrs. Aí, então, ela deixou-se, um pouquinho, comover-se:
– Fiquei tão desarmada.
– E eu me vou desarmar; conversa-se melhor.
– Foi de propósito? Você sabia onde ia dar?
Não, não... Mas não podia ser comum. Foi um pedido de patamar, agora sabemos que não virão mediocridades.
– Sabe? Ganhei.
– Diga melhor.
– O aleatório da vida: há um tanto na vida que é aposta. Apostei em você. Ganhei.
Tempo dele. Voltou a teclar. Escandiu o pensamento, mediu cada letra:
– Onde você está?
– Em um restaurante, por quê?
– Restaurante!?
– Não é um bom lugar para conversar?
– Pelo Facebook?
– Por que não?
– Hummm, já pediu?
– Já sou uma mulher mais meia garrafa de vinho.
– Endereço, preciso ir.
– Não entendi.
– Ganhei você.
– Ah!, não vale, eu já disse isso.
– Você fez caça de busca, eu, de espera. Você me pegou, eu peguei você.
Outra vez surpreendida, ela tomou-se de precaução:
– É meio precipitado, gostaria de conhecê-lo melhor.
– Pra isso vou.
– Não pode ser pelo Face?
– Bem, pode, mas não será verdade, não será suficiente, jamais será igual.
– Eu sei, eu sei. Endereço, vou eu.
– Que reviravolta.
– Você me convenceu: a vida está além da digitação.
– Isso, mas posso ir, faço questão.
– Nem sei se as terei, mas aqui há limites às vontades. Prefiro não. Eu vou.
Tempo largo dos dois. Ela retomou:
– Eu não disse? Cautela e precipitação. Para você, era fácil sair de casa,
proteger-se de mim em um local público. Para mim, pelo Face, me garantia eu.
– Você é perspicaz... inteligente.
– E sensível, e carente... Ai!, confessei.
– Prometo deletar a confissão. Olha, pensei... há informações na Net. Consulte sobre mim, se quiser, e desista, se achar melhor.
– Sim, sei... Porém, também pensei. Já pedi outro Malbec, a conta, um táxi.
Fui.
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