Internacional
Extrema direita nacionalista perde maioria nas legislativas da Polônia, mas oposição terá dificuldades em novo governo
Líder do principal grupo opositor, ex-premier Donald Tusk tentará governar com apoio de partidos que vão da centro direita à esquerda socialista
Com mais de 95% das urnas apuradas, as eleições parlamentares polonesas confirmam os resultados previstos pelas pesquisas de boca de urna, que já indicavam a perda da maioria da extrema direita nacionalista no poder, do Lei e Justiça (PiS), partido do presidente Andrzej Duda. Com isso, a oposição pró-União Europeia (UE) está prestes a conquistar a maioria parlamentar e formar um novo governo, em uma eleição que registrou uma participação de 73%, a maior desde a queda do comunismo no país, em 1989. A tarefa, no entanto, não será simples, já que a frente ampla vencedora reúne partidos que vão da centro direita à esquerda socialista.
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O PiS, de Duda e do atual premier premier polonês, Mateusz Morawiecki, foi o partido mais votado, com 36,1% dos votos. Mas o principal grupo opositor, a Coalizão Cívica, ficou em segundo, com 30%. Ou seja, com o apoio do terceiro e quarto partidos mais votados, a Terceira Via (TD), com 14,4%, e a Esquerda (L), com 8,4%, a oposição conseguiu cerca de 53%. Já a Confederação, um grupo de direita radical que compartilha muitas das visões nacionalistas do Lei e Justiça, obteve apenas 7,1% dos votos.
Com o resultado, a tendência é que o premier não consiga refazer seu governo, e a oposição consiga formar um novo conselho ministerial, assumindo o Executivo. No domingo, o líder da Coalizão Cívica, o ex-premier e ex-presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, comemorou os bons resultados, numa reviravolta que frustra a esperança do partido governista de obter um terceiro (e inédito) mandato consecutivo.
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— Este é o fim de tempos sombrios — declarou Tusk na noite de domingo, após os primeiros resultados de boca de urna. — Este é o fim do governo do PiS.
A potencial coalizão vencedora é uma espécie de frente ampla com partidos que vão da centro-direita à esquerda. Por isso, Tusk terá o desafio de formar um novo governo, o que não será simples e deve levar algum tempo, explica ao GLOBO o cientista político polonês Pawel Ukielski, vice-diretor do Museu do Levante de Varsóvia.
— O maior desafio é o fato de não existirem apenas três partidos para formar um governo, mas mais de dez. Todos os agrupamentos são constituídos por diversas entidades políticas, e todos terão os seus objetivos e ambições, ou seja, haverá discussões duras sobre os cargos num futuro governo da oposição — explica. — Outro desafio é o fato de os partidos [da frente ampla] terem perfis e identidades muito diferentes: vão dos socialistas aos liberais, passando pelos camponeses aos progressistas. O perfil ideológico do governo será uma questão muito complicada.
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Além disso, aponta Ukielski, a vitória de um novo governo não significará o fim do PiS. Com 196 assentos no Parlamento, a legenda se tornará uma oposição muito forte e bem organizada — a Coalizão Cívica contará com 158 cadeiras, mas terá maioria de 248 assentos contando com os outros dois principais partidos opositores. E o papel do presidente aumentará: Duda se tornará não apenas o ator principal, mas também terá de entrar em confrontos diretos com o novo governo.
— É preciso lembrar que o atual presidente ainda tem quase dois anos de mandato pela frente. A nova coligação não terá votos suficientes no Parlamento para superar o seu veto. Ou seja, por dois anos o PiS terá um presidente, que poderá impedir as reformas do governo.
Erros na campanha
No poder há oito anos, o PiS contava uma baixa aprovação, de cerca de 35%, principalmente pela má gestão da economia, mas também por decisões controversas sobre direito das minorias, dos LGBTQIA+ e de imigrantes. A sensação geral entre os analistas é que o partido gastou energia demais em embates políticos e ideológicos, enquanto a economia passava por turbulências.
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Tusk, por sua vez, prometeu liberalizar as leis sobre o aborto, uma questão que parece ter provocado uma mobilização sem precedentes entre as mulheres, e pode ter ajudado a fazer pender a balança a favor dos partidos liberais da oposição. A participação feminina, de 73,7%, foi a principal “surpresa positiva” das eleições, acredita Justyna Kajta, socióloga da Universidade de Ciências Sociais e Humanas, em Varsóvia.
— Até pouco tempo, metade das mulheres dizia que não votaria. Agora, os números mostram que votaram mais mulheres do que homens — disse Kajta à AFP.
A diferença mais significativa do voto feminino foi nos resultados da Confederação, de extrema direita: o partido obteve duas vezes mais votos de homens do que de mulheres e seu resultado decepcionante será fundamental para que o PiS não consiga formar uma coalizão.
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Cerca de 20 milhões de poloneses foram as urnas no domingo, o maior número de eleitores em décadas, para eleger 460 deputados e 100 cadeiras no Senado, sob um clima de divisão, polarização e tensão.
— Espero que a Polônia saia da Idade Média na qual ela está presa — disse à AFP Aleksandra Metlewicz, designer de interiores de 33 anos.
Ainda assim, não é esperado que um governo da oposição faça grandes revoluções. Tusk e seu novo governo vão herdar uma nação com profundos aspectos de divisão social, econômica e ideológica.
— É claro que haverá alguns movimentos ou decisões surpreendentes, mas será mais na esfera verbal do que na esfera real — ponderou Ukielski, em entrevista ao GLOBO.
Marta Prochwicz-Jazowska, analista do escritório de Varsóvia do centro de estudos German Marshall Fund, no entanto, acredita que o tema aborto estará na ordem do dia em um provável novo governo:
— Quando se trata de aborto, as leis sobre o assunto não mudaram formalmente. O endurecimento da abordagem deve-se às interpretações judiciais das leis atuais e aos receios dos médicos de serem processados. Portanto, sob um novo governo, as mudanças serão fáceis de alcançar — explicou ao GLOBO.
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Nos últimos anos, o Parlamento aprovou uma série de medidas consideradas por muitos observadores internacionais como uma ameaça à democracia, como um um projeto de lei sobre veículos de comunicação — que atingiria diretamente um canal crítico ao governo; e uma reforma do Judiciário, que o deixou mais sujeito à interferências dos poderes Executivo e Legislativo.
A analista do German Marshall Fund, explica ainda que o bom resultado do PiS deve-se em grande parte ao seu controle sobre os meios de comunicação estatais, ao financiamento de empresas à campanha e a outros métodos usados para inclinar o campo de jogo a seu favor antes das eleições.
— Não funcionou porque os poloneses estavam cansados deste poder não diluído e de suas tendências autoritárias — afirmou Prochwicz-Jazowska, que acredita que, com um PiS enfraquecido e perspectivas pouco claras para o seu próprio futuro, "Duda poderá decidir não agir de forma destrutiva" nos próximos dois anos.
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