Internacional
Análise: grande objetivo de terrorismo do Hamas é destruir sensação de segurança em Israel
Para especialista, grupo tenta minar o mito da invencibilidade israelense ao levar o conflito para dentro do território judeu; pesquisadores apontam que ofensiva de sábado pode ter objetivo político por trás, como reforçar imagem do Hamas com palestinos
No dia que os israelenses acordaram horrorizados ao descobrir que grupos terroristas palestinos se infiltraram no país, estavam disparando contra soldados e civis, e levando reféns para Gaza, o comandante da ala militar do Hamas, Mohammad Deif, divulgou uma rara mensagem abençoando o ataque.
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Falando de um local secreto, Deif descreveu a operação como uma explosão de raiva contra o tratamento dado por Israel aos palestinos e disse às suas forças que este era o primeiro passo para a destruição do Estado judeu.
"Combatentes justos, este é o vosso dia para enterrar este inimigo criminoso. O tempo deles acabou. Matem-nos onde quer que os encontrem", afirmou numa mensagem de áudio publicada nas redes sociais. "Removam esta imundície da vossa terra e dos vossos lugares sagrados. Lutem e os anjos lutarão convosco".
As queixas crescentes alimentaram a decisão do Hamas de atacar, mas a natureza da ofensiva foi moldada por uma profunda sede de vingança construída ao longo de décadas de conflito — um desejo de ver Israel sangrar.
O Hamas concretizou esse desejo no sábado, chocando o mundo ao trazer a luta para dentro das comunidades israelenses e destruindo a ideia de que Israel poderia manter o seu conflito com os palestinos em outro lugar.
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— O que o Hamas está fazendo é tentar virar a mesa de novo para os israelenses, dizendo que não se pode esquecer a questão da Palestina e que eles podem minar o mito da invencibilidade israelense — disse Tareq Baconi, autor de um livro sobre a atuação do Hamas na Faixa de Gaza. — Isso por si só é uma enorme transformação no imaginário palestino e penso que ainda não conseguimos ver ou compreender as suas implicações.
Há mais de uma década que o conflito Israel x Hamas tem se desencadeando com frequência em episódios de extrema violência em Gaza, mas a escala do ataque do Hamas e a captura de cerca de 150 israelenses aumentaram significativamente os riscos para ambas as partes.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, prometeu destruir o grupo terrorista e as forças israelenses estão concentrando-se na fronteira de Gaza para uma potencial invasão terrestre. Os líderes do Hamas prometeram continuar lutando e apelaram a outras forças anti-sionistas para se juntarem a eles, levantando a ameaça de uma guerra regional.
Civis como custo
Quem paga o alto preço em Gaza são os civis, os mais vulneráveis, que se encontram entre os mais de 1.400 palestinos mortos em ataques aéreos israelenses à região. Se os líderes do Hamas consideraram o custo do ataque para os civis de Gaza, isso claramente não impediu a sua decisão de avançar.
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— Isso mostra que este tipo de grupo ou movimento tem objetivos políticos que perseguem e que o custo humano é uma consideração secundária — explicou a professora assistente de ciência política na Universidade de Richmond, Dana El Kurd.
Para decifrar as motivações do Hamas é necessário compreender como o grupo se enxerga na história da Palestina. O Hamas foi fundado no final dos anos 1980, durante a primeira Intifada, ou revolta, palestina contra Israel, como um grupo islamista dedicado a destruir o Estado judeu e a substituí-lo por um Estado islâmico.
Embora os seus líderes tenham, mais recentemente, admitido a possibilidade de uma solução de dois Estados, o fim teórico das décadas de esforços voltadas para a paz no Médio Oriente, nunca procurou negociar com Israel, ao contrário de outras facções palestinas. Em vez disso, considera ilegítima a existência de Israel, descrevendo o Estado judeu como um projeto colonial e a si próprio como um movimento anti-colonial.
O Hamas foi alvo de uma condenação internacional generalizada durante a segunda revolta palestina, que teve início em 2000, após ter lançado bombas suicidas em zonas civis. Israel, os Estados Unidos e muitos outros países, como Canadá, Egito, Japão e o bloco da União Europeia, o consideram uma organização terrorista.
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Desde 2007, o Hamas governa a Faixa de Gaza e Israel impõe um bloqueio rigoroso ao território, muitas vezes em conjunto com o Egito.
Principal responsável pelo grupo, o chefe do gabinete político do Movimento de Resistência Islâmica Hamas, Ismail Haniyeh, está sediado no Catar. Outros altos funcionários residem em Beirute, onde mantêm laços estreitos com o Hezbollah, o grupo militante libanês que também está empenhado na destruição de Israel.
Para evitar serem assassinados por Israel, os líderes do Hamas em Gaza raramente aparecem em público e acredita-se que se deslocam pelo território em túneis que ligam bunkers subterrâneos. Muitos deles têm uma má relação com o Estado judeu
O líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, passou duas décadas na prisão por ter matado soldados israelenses. Foi libertado em 2011 numa troca de prisioneiros e regressou a Gaza. Sinwar foi eleito como novo chefe do Hamas na Faixa de Gaza em 2017. Além de ser um dos fundadores do braço armado do grupo, é considerado um terrorista pelos Estados Unidos.
Deif, o chefe da ala militar do Hamas, não é visto publicamente há anos. Israel tentou assassiná-lo várias vezes, possivelmente mutilando-o ou cegando-o de um olho. O Estado judeu bombardeou a sua casa em 2014, matando sua mulher e seu filho, um bebê.
Nesta terça-feira, autoridades do Hamas afirmaram que ataques aéreos israelenses atingiram a casa da família do chefe da ala militar do grupo. À Associated Press, Bassem Naim, alto funcionário do Hamas, confirmou que o bombardeio matou pai, irmão e pelo menos dois outros parentes de Deif na cidade de Khan Younis, ao sul da Faixa de Gaza. O paradeiro do líder terrorista é desconhecido.
'Temos nada a perder'
O compromisso do Hamas com a luta armada distingue-o da Autoridade Nacional Palestina (ANP), que foi criada durante o processo de paz como uma espécie de governo palestino em espera e que agora tem um controle limitado sobre partes da Cisjordânia.
Os líderes do grupo terrorista argumentam que o processo de paz falhou aos palestinos, restando a luta armada, ou a resistência, como única opção. Nos últimos meses, eles têm enfrentado um descontentamento crescente com o seu fracasso em melhorar as condições de vida em Gaza, onde a maioria dos residentes está presa, a pobreza é abundante e os cortes de energia são comuns.
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O ataque de sábado visava provavelmente desviar as atenções desse fato, reforçando simultaneamente as credenciais de resistência do Hamas junto dos palestinos.
— A Autoridade Nacional Palestina (ANP) abandonou completamente a ideia de representar os palestinos em qualquer tipo de resistência, violenta ou não violenta, então agora o Hamas assumiu esse papel — afirmou El Kurd.
A professora assistente de ciências políticas acrescentou ainda que, com um ataque tão ousado, o Hamas procurou provar aos palestinos que é "o baluarte da resistência".
Muitos habitantes de Gaza não abraçam completamente a ideologia do Hamas, mas existe um amplo apoio à sua luta contra Israel. A maior parte dos 2 milhões de habitantes de Gaza são refugiados que eram ou são descendentes de palestinos que fugiram ou foram expulsos do que é hoje Israel durante a guerra que rodeou a sua criação, em 1948.
Alguns habitantes de Gaza têm as suas raízes em aldeias que outrora se situavam onde ocorreu a incursão de sábado.
Nos dias que se seguiram à ofensiva-relâmpago, os líderes do Hamas elogiaram o ataque como um êxito e prometeram matar prisioneiros israelenses se Israel bombardeasse civis em Gaza sem aviso prévio. Mas, por outro lado, fizeram poucas exigências específicas, sugerindo que mais conflitos estariam por vir.
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Israel tem bombardeado repetidamente Gaza ao longo dos anos, matando um grande número de membros do Hamas e de civis, mas sem degradar significativamente o grupo.
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza informou nesta quinta-feira que 1.417 palestinos foram mortos e mais de 6.200 ficaram feridos desde sábado — 1,5 mil eram menores de 18 anos. A divisão entre combatentes e civis não era clara. É muito provável que este número aumente significativamente à medida que Israel bombardeie o território e, possivelmente, inicie uma incursão terrestre.
Ainda não está claro se o elevado custo para os civis irá afetar o Hamas. Mesmo quando o grupo terrorista ataca primeiro, os habitantes de Gaza tendem a culpar Israel pela sua miséria, e muitos já passaram por tantas guerras que o fatalismo prevalece.
— Pelo que ouço dos habitantes de Gaza, esta é uma guerra muito repetitiva — afirmou Imad Alsoos, um pesquisador de Gaza no Instituto Max Planck de Antropologia Social, na Alemanha.
Alsoos contou que a frase que costuma ouvir de amigos e familiares é: "Não temos nada a perder".
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