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A crítica da razão apagada
Recentemente li, no site do Observatório da Imprensa, um artigo de João Pereira Coutinho, que foi publicado em 2010 na Folha de São Paulo. O título do dito-cujo era “Em defesa da Televisão”.
Como sempre, o cientista político português mandou muito bem e, após ler suas linhas em defesa da televisão, pensei: por que não escrever algumas palavras em favor da famigerada Wikipédia? Por que não? Dito isso, sigam-me os doidos, desajuizados e desvairados, nesta modesta empreitada.
Gosto da referida enciclopédia e, confesso, acho engraçado pra caramba ver como muitas pessoas falam com desdém da mesma.
Referem-se a ela como se tudo que nela houvesse fosse de procedência duvidosa; duvidosa não, maliciosa. E fazem isso com aquele ar de superioridade postiça que apenas os tontos são capazes de afetar.
Mas, afinal de contas, a Wikipédia merece o nosso crédito? Claro que não. E não merece porque, na verdade, nada neste mundo deveria ser considerado 100% confiável por nós.
Aliás, presumir que uma fonte de informação é totalmente segura, sem precisar que ela seja confrontada por nós com outras fontes é, literalmente, a imagem mais do que perfeita da credulidade escarrada, não da criticidade praticada com zelo.
De mais a mais, como sempre falo para os jovens, não há nada de errado em consultarmos a Wikipédia, a Barsa, o Almanaque Abril, etc., etc., porque tais fontes de informação foram concebidas como um “resumo do resumo das luzes” e, por isso, são excelentes pontos de partida para começarmos a responder uma e outra dúvida que esteja provocando a nossa curiosidade; porém, não podem, em hipótese alguma, serem vistas como o ponto final e cabal de nenhum assunto.
Bem, se estamos de acordo até aqui, podemos, neste momento, fazer uma experiência, bem simples, para verificarmos o quão profundo é o nosso conhecimento e, é claro, o quão superficial é a tal da Wikipédia.
Senão, vejamos: digite, por exemplo, no buscador da Wikipédia, “São Francisco de Assis”. Fazendo isso, nós teremos acesso a um verbete com 26 páginas, 89 notas de rodapé, uma lista dos documentos escritos pelo referido santo, uma farta bibliografia devidamente referenciada e, é claro, uma lista de links externos sobre o assunto (no caso, o poverello de assis).
Agora, leiamos o verbete todo, juntamente com as notas de rodapé; verifiquemos os links externos e, depois disso, procuremos dar uma boa olhada na bibliografia apresentada e vejamos quantos destes livros nós já lemos ou, ao menos, ouvimos falar e, ao final disso, iremos ver que a Wikipédia não é tão superficial assim e nós, diga-se de passagem, não somos, assim, tão profundos.
Sim, eu sei que alguns dirão que a dita-cuja da Wikipédia é ruim porque qualquer um “pode” modificar o texto do verbete. Pois é. Só que não é bem assim que a banda toca.
Quando acessamos um verbete da Wikipédia, logo no início dele, no topo da página, há um link intitulado “discussão”. Ao clicar nele, iremos para a página onde encontraremos as sugestões feitas pelos internautas sobre o conteúdo do mesmo, indicando quais parágrafos estariam incorretos e, é claro, apontando a razão da incorreção. Detalhe: a discussão fica salva para verificação e, meu amigo, em alguns casos é um trem bonito de se ver.
Ou seja: a referida enciclopédia não é uma casa epistêmica da mãe Joana, da mesma forma que não é uma catedral do conhecimento. É apenas uma enciclopédia que procura cumprir bem o papel de uma enciclopédia, com seus modestos 1.109.875 de verbetes, em português, e 8.373 editores ativos. Isso sem falar nos outros serviços que são prestados por ela de forma gratuita.
Agora, se formos minimamente ousados, e não apenas petulantes, podemos experimentar o mesmo procedimento com outros temas, só pra ver o quão grande é, muitas e muitas vezes, a nossa presunçosa ignorância.
Vale lembrar que muitas das pessoas que sentam a ripa na Wikipédia, sabem menos, muito menos do que é apresentado pelos verbetes da referida e, por isso mesmo, não saberiam apontar, com relativa clareza, onde estariam os possíveis erros e inconsistências dos mesmos, apesar de terem plena certeza de que ela não é nem um pouco confiável; mas eles seriam dignos de sê-lo, mesmo sem apresentar evidência alguma em favor disso.
Só pra constar: em minha porca vida, identifiquei muito mais erros [sérios] em livros e materiais didáticos do que no referido site.
Enfim, com essas observações não estou aqui fazendo uma apologia ao uso indiscriminado desta e de qualquer outra enciclopédia, mas sim, apenas chamando a atenção para o fato de que, muitas vezes, nós somos muito mais superficiais do que aqueles que acusamos de serem rasos e, tal falseamento da percepção dos fatos mutila a consciência individual e, de quebra, contribui de forma avassaladora para a redução da nossa capacidade de apreensão e compreensão do real.
Por essa e por muitas outras razões, o cultivo da autocrítica é muito mais necessário em nossa vida que a prática desportiva e insolente da crítica vazia.
É isso. Fim de papo. Away.
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