Internacional
Rascunho da nova Constituição do Chile ameaça direitos das mulheres, dizem especialistas de correntes políticas
Conselho Constitucional controlado pela direita aprovou emendas ao anteprojeto elaborado em consenso por uma Comissão de Especialistas; rascunho final deve ser apresentado até 7 de outubro
Em 7 de outubro vence o prazo para que o Conselho Constitucional chileno entregue o rascunho do texto da nova Carta Magna, com as emendas que incluiu no anteprojeto de caráter moderado elaborado pela Comissão de Especialistas e que foi realizado em um consenso que incluiu desde o governo de esquerda do presidente Gabriel Boric até a oposição. São várias modificações, boa parte impulsionadas pelo Partido Republicano, de direita radical e conservadora, que conquistou em maio 22 das 50 cadeiras do conselho, seguido por 11 do Chile Vamos, de direita tradicional. Os governistas, que têm 17 vagas no conselho, dizem que muitas das alterações no texto representam retrocessos para os direitos das mulheres.
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Uma das normas apontadas pelos partidários de Boric é a que se refere ao "direito à vida de quem está por nascer", que poderia confrontar a "lei de interrupção voluntária da gravidez em três casos", em vigor desde 2017. A lei mesma lei pode ser afetada, de acordo com a centro esquerda, também pela norma de objeção de consciência [que abarca também as instituições] e poderia, ainda, interferir no acesso à pílula do dia seguinte.
Há ainda a crítica a rejeição de um artigo, que era transitório, e possibilitava a paridade de gênero nas próximas duas eleições parlamentares, garantindo que houvesse assentos reservados para qualquer um dos gêneros que obtivesse menos de 40%.
— Foram estabelecidas normas que, francamente, são retrocessos para as mulheres — disse ao El País a advogada Alejandra Krauss, militante da Democracia Cristã, de centro esquerda moderada, que integra a Comissão de Especialistas. Ela dá um exemplo: a modificação da frase da Constituição vigente, “a lei protege a vida do que está por nascer”, pela que está no rascunho do texto novo “a lei protege a vida de quem está por nascer”. O anteprojeto da comissão mencionava apenas o direito à vida.
— Quando se fala de “quem” já se está falando de uma pessoa. Há emendas que não só implicam na vigência da Constituição de 1980 que queremos mudar por décadas, como vão muito além — diz, e completa, criticando a rejeição da norma de paridade — Votaram contra argumentando que a meritocracia é a grande ferramenta para as mulheres. Essa tese de meritocracia já está superada. Isso tem a ver com a igualdade e a justiça, não apenas com correntes feministas exclusivamente.
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'Não estaríamos aqui'
A especialista e doutora em Direito Leslie Sánchez, governista, concorda que se trata de um retrocesso, considerando que tanto a Comissão de Especialistas como o Conselho Constitucional são órgãos que tem uma constituição paritária, de 50% para cada gênero. Assim, completa ela, se não houvesse paridade, “não estaríamos aqui”.
— A desigualdade política no Chile é histórica, não começou ontem. Para reduzir essa lacuna, tem que ser com mandatos concretos. Não pode ser voluntário — afirmou Sánchez.
Até duas opositoras do governo Boric se juntaram aos críticos à rejeição à paridade. Uma delas é a conselheira pela legenda Evópoli [direita tradicional], Gloria Hutt, que atribuiu aos republicanos a responsabilidade de “fechar os caminhos de novas líderes”.
Outra crítica é Isabel Plá, da UDI, ex-ministra da Mulher e da Igualdade de Gênero do governo de Sebastián Piñera [2018-2022].
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— Por que tanta resistência à paridade? A norma é razoável, transitória [por duas eleições] e aceleraria a incorporação de mulheres no Congresso. Espero que se reponha na próxima fase — declarou Plá.
Esta é a segunda tentativa do Chile de mudar a Constituição que nasceu em 1980 na ditadura de Augusto Pinochet [1973-1990], mas foi reformada umas 60 vezes desde 1989. Inclusive, desde 2005, é assinada pelo ex-presidente socialista Ricardo Lagos [2000-2006].
Em setembro de 2022, 62% dos chilenos votaram contra a proposta apresentada por uma comissão de maioria de esquerda radical e sem militância. O novo processo, que começou em março de 2022, tem sido difícil, pois a maioria das pesquisas de opinião mostra que não tem nem o interesse, nem a confiança de parte dos chilenos — e que a possibilidade de uma nova rejeição está em alta.
Mas nem tudo está resolvido. Há outras etapas por vir, embora com pouco espaço para negociação. Diante do cenário adverso, a classe política corre contra o relógio para salvar o processo. E o que acontecer a partir de 7 de outubro será crucial. De acordo com o procedimento, quando o texto final for entregue pelo Conselho Constitucional, a Comissão de Especialistas deverá elaborar um relatório no qual poderá fazer observações. Se não houver quórum, será formada uma comissão mista.
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'Que' x 'Quem'
Para os republicanos, a mudança de “que” por “quem” não é profunda, pois apenas retorna ao que prevê a Constituição vigente, “frisando que quem cresce no ventre materno é alguém”, disse o conselheiro do partido, o advogado Luis Silva.
Isso enquanto Beatriz Hevia, advogada e presidente do Conselho Constitucional, também republicana, enfatizou que “o tema aborto tem que ser resolvido no Congresso”.
— Nós não estamos fazendo [no projeto] nenhuma mudança que possa afetar a lei do aborto em três casos — afirmou.
Mas na interpretação dos advogados governistas que fazem parte do processo constitucional, a redação do texto é sim uma ameaça a esta lei.
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— Ao falar da vida de quem está por nascer, reconhece a titularidade de direitos do embrião, indo além da Constituição de 1980 — disse Verónica Undurraga, presidente da Comissão de Especialistas, independente pelo Partido Pela Democracia [PPD], de centro esquerda governista e especialista em constitucionalismo comparado e direitos humanos.
Outra governista, Antonia Rivas, da Convergência Social de Boric também atacou o projeto, em entrevista ao La Tercera.
— As mulheres, neste rascunho de texto, somos consideradas como aquelas que cuidam, as encarregadas da reprodução, pessoas a quem se veda o impulso de participação política.
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Objeção de consciência institucional
A provação de outra norma também levantou discussão jurídica, técnica e política no Chile. É o “direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”. Este direito inclui a liberdade de toda pessoa para adotar a religião ou crenças de sua escolha, e viver de acordo com elas, a transmiti-las, e a objeção de consciência individual e institucional. Se garantirá seu exercício, devido respeito e proteção. “
A controvérsia em torno da emenda está na ampliação do direito à “consciência institucional”, que no Chile até agora só se aplica à lei do aborto nos três casos em que é permitido [de risco de vida para a mãe, inviabilidade do feto e violência sexual] .
— [a redação da norma] Permite que as farmácias se neguem a distribuir a pílula do dia seguinte — disse o socialista integrante da comissão Flávio Quezada, que advertiu também sobre outros efeitos que poderiam afetar a diversidade sexual.
O processo constitucional chileno termina em 17 de dezembro, quando o texto final será submetido a um plebiscito.
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