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O Patinho Feio

Carlito Peixoto Lima 01/10/2023
O Patinho Feio
Carlito Peixoto

Verinha era uma menina alegre e feliz. Não tinha preconceito, gostava de jogar ximbra, pião, rouba-bandeira. Corria como ninguém. Trepava nas amendoeiras, nas jaqueiras, nas goiabeiras da redondeza. Parecia estar sempre correndo. Na praia, dentro de um maiô apertado, era a líder das meninas, embora gostasse mesmo era de jogar futebol com os meninos. Dentro d’água, no mar ninguém batia, era a mais veloz. Deixava meninas e meninos para trás com suas braçadas contínuas e rápidas. Todos no bairro gostavam daquela diabinha travessa que vivia para brincar, correr e sorrir

Certa vez pediu para a mãe ajudar no vestir. Queria ficar bonita, estava ficando uma moça, com seios crescidos. Tinha sido convidada para uma festa muito especial.

Um rapaz da vizinhança havia passado no vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, exame difícil. O jovem Humberto ingressaria no ITA. Um sonho de todos os jovens daquela época. A família de Beto resolveu dar uma festa de despedida em sua bela casa. A animação, apesar da despedida, foi o ponto alto. Todos se divertiram, beberam, comemoraram até o dia amanhecer.

Verinha com um vestido rodado bem cintado, se policiava, freando a vontade de correr, de fazer bagunça naquele casarão. Queria parecer uma moça madura. Se continha.

Ela tinha uma paixão infantil por Humberto. Quando estavam na praia, corria em sua direção para se fazer notada. Ele nem se dava conta de existir aquela menina. Às vezes em alguma brincadeira ele falava com ela em tom de gozação chamando-a de menininho. Verinha ficava fula de raiva. Mas a paixão não se pode evitar, coisas do coração.

Em seus devaneios românticos, nos intervalos de suas estripulias, ela sonhava ser uma artista de cinema: Beto lhe abraçando dizendo que lhe amava e eram felizes para sempre. No dia da festa ela se fez bonita, mas sua estampa de menina magra e desajeitada, não ajudava. Ficava perto de Beto para ver se pelo menos olhava alguma vez. Em certo momento ele chamou Verinha. Ela veio toda frajola. Beto nem a olhou foi falando, apresentando um menino de 12 ou 13 anos:

- Esse meu primo quer brincar, como você é a serelepe daqui, vá brincar de pega com ele.

Ela não agüentou. Aquilo era uma humilhação. Retrucou na hora.

- Não sou serelepe, nem menina. Já sou uma moça e não vou brincar com esse pivete, não.

Beto gozou Verinha, chegando à ofensa:

- Você é menina sim. Ainda não tirou o mijo das calçolas. Sua Bostinha!!!

- Verinha ficou uma fera, a raiva subiu para cabeça, gritou:

- Vá para o inferno, Bostinha é sua mãe. Quero que você caia de um avião e morra!!!

A menina saiu correndo. Com lágrimas contidas chegou em casa. Sua mãe notou que ela voltava cedo, perguntou o que havia acontecido. Ela simplesmente deu boa-noite e foi para seu quarto. Só adormeceu quando o dia clareou. Chorou toda noite ouvindo as músicas da festa, pensando na grossura e na saudade de Beto que embarcava naquela manhã para São José dos Campos.

O ano não passou rápido. O tempo só é rápido quando existem apenas divertimentos e alegrias. Para Beto foi um ano de muita luta, muito estudo, muita ralação. Com notas razoáveis ele passou em primeira época. Retornou a Maceió de férias, quase um ano depois, no final de dezembro.

Houve outra festa em sua chegada. Seus pais convidaram os amigos e vizinhos. Muita bebida e comida. Beto feliz da vida em estar com sua bela família e ser o alvo da atenção de tantos amigos De repente ele notou, ao longe, uma bela jovem. Estava de costas, o rosto pouco aparecia, seu perfil lhe era familiar. Chamou sua irmã ao lado e perguntou quem era a distinta de vestido branco. Rose deu uma gargalhada perguntando se tinha certeza que não conhecia. A irmã dirigiu-se até a jovem misteriosa, cochichou no ouvido e veio conduzindo a moça. Quando Beto a viu de frente e de perto, se encantou. O coração bateu forte como nunca havia batido para ninguém. Rose apresentou sorrindo.

- Quero que conheça minha amiga.

Encantado olhando nos penetrantes e ternos olhos da jovem, Beto estendeu a mão, falando com brandura:

- Prazer, Beto.

A jovem apertou sua mão gentilmente e respondeu sorrindo.

- Muito prazer, sou a Bostinha !

Nesse momento Beto reconheceu e compreendeu que era Verinha, sua vizinha, a menina sardenta serelepe e mal-criada que vivia correndo O patinho feio havia se transformado em uma linda cisne branca.

Passaram o resto da noite conversando. No final da semana os dois estavam namorando de mãos dadas no banco da praça. Era o início da mais bonita paixão daquelas férias de verão, tendo o sol, o céu e o sal de Maceió como testemunha.