Internacional

Papa Francisco cobra responsabilidade da Europa sobre imigração e denuncia 'fanatismo da indiferença' em Marselha

Papa rezou missa para quase 60 mil pessoas no Estádio Velódromo, com a presença do presidente francês, Emmanuel Macron

Agência O Globo - 23/09/2023
Papa Francisco cobra responsabilidade da Europa sobre imigração e denuncia 'fanatismo da indiferença' em Marselha
Papa Francisco - Foto: Reprodução

O papa Francisco cobrou, neste sábado, responsabilidade da Europa para enfrentar o fenômeno migratório, após denunciar o "fanatismo da indiferença", horas antes de encerrar sua curta visita a Marselha, no sudeste da França, com uma missa campal para milhares de pessoas.

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A viagem de Francisco acontece dias depois de cerca de 8.500 migrantes terem chegado à pequena ilha italiana de Lampedusa, após cruzarem o mar Mediterrâneo. Ali, mais de 28 mil migrantes desapareceram desde 2014, em tentativas de chegar à Europa, procedentes da África, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

— Quem arrisca sua vida no mar não invade, busca acolhida — reiterou o pontífice argentino, para quem o fenômeno migratório é um processo que envolve três continentes em torno do Mediterrâneo e que deve ser gerido com responsabilidade europeia.

Com estas palavras, o jesuíta de 86 anos concluiu uma semana de debates entre jovens e bispos do Mediterrâneo no turístico Palácio de Pharo, onde entrou em uma cadeira de rodas, depois de dar alguns passos apoiado no presidente francês, Emmanuel Macron, e em uma bengala.

Por volta das 11h15, o Papa Francisco rezou uma missa para quase 60 mil pessoas no Estádio Velódromo. Cerca de três horas antes da missa, os fiéis já começavam a lotar o estádio Olímpico de Marselha, convertido em uma enorme catedral.

Desde sua eleição como sumo pontífice em 2013, uma de suas prioridades tem sido alertar sobre as tragédias dos migrantes, do Mediterrâneo à América Central, ou à Venezuela, passando por África, Oriente Médio, Europa, ou Estados Unidos, e pedir sua acolhida.

Na sexta-feira, aos pés da basílica neobizantina de Nossa Senhora da Guarda, um dos símbolos mais queridos dos marselheses, Francisco depositou uma coroa de flores no memorial aos desaparecidos no mar e lançou um apelo em favor dos migrantes e das ONG que os ajudam.

— É um dever da humanidade e um dever de civilização [socorrê-los] — clamou o papa, que chegou do "fim do mundo", antes de denunciar o "fanatismo da indiferença" para com os migrantes.

Suas fortes declarações surgem em um contexto cada vez mais hostil para esses exilados na Europa. Exemplo disso, a França anunciou, por meio de seu ministro do Interior, Gérald Darmanin, que "não acolherá" ninguém de Lampedusa.

"Estaremos em comunhão"

A 44ª viagem apostólica de Francisco ao exterior — a primeira de um Papa a Marselha desde 1533 — desperta grande interesse, apesar do declínio do catolicismo na França, um país laico desde 1905, onde as acusações de abuso sexual na Igreja aceleraram a crise.

"Bienvenido Santo Padre", dizia em espanhol um dos cartazes no bairro de Saint Mauront, um dos mais pobres da cidade portuária, onde Francisco tomou café da manhã e se reuniu com pessoas necessitadas de vários países, como Albânia, Armênia e Colômbia.

— Viemos de longe, mas era importante estarmos aqui, porque estaremos em comunhão com toda a comunidade religiosa, católica — disse à AFP Aurea Dias Neto, uma mulher de 52 anos, nascida em São Tomé e Príncipe, mas que vive no centro da França.

Macron, que se reuniu com Francisco durante meia hora, deve assistir à missa, junto com sua esposa, Brigitte, apesar das críticas da esquerda de que sua presença na liturgia "atropela" a neutralidade religiosa. Será o primeiro presidente, desde Valéry Giscard d'Estaing, em 1980, a assistir a uma missa papal.

Batizado católico aos 12 anos e educado por jesuítas, Macron é um presidente sensível à espiritualidade e atualmente se define como agnóstico.

— Considero que meu lugar é assistir. Não irei como católico, mas como presidente — defendeu-se, na semana passada.

O historiador Jean Garrigues rejeita as críticas sobre um atentado ao secularismo e explica que "existe uma tradição de presidentes católicos, crentes e até praticantes", do general Charles De Gaulle a Nicolas Sarkozy.

E, enquanto a França se prepara para anunciar seu plano de ajuda ativa a morrer, o papa advertiu contra a "perspectiva falsamente digna de uma morte doce".