Internacional
'As sanções contra a Rússia falharam', afirma embaixador da Rússia no Brasil
Em entrevista ao GLOBO, Alexey Labetskiy diz que atuação do Brasil é positiva e que os EUA se beneficiam com conflito na Ucrânia
O primeiro encontro presencial entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, às margens da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, na última quarta-feira, foi visto com naturalidade por Moscou, afirma o embaixador da Rússia em Brasília, Alexey Labetskiy. Segundo ele, o governo de seu país reconhece a soberania do Brasil, "nosso parceiro estratégico". Labetskiy reforça o discurso do Kremlin de que o regime de Zelensky é nazifascista. E ressalta que as sanções econômicas aplicadas contra os russos pelos Estados Unidos e outras nações ocidentais não surtiram o efeito desejado. O diplomata ressalta que, apesar da boa vontade de Lula em tentar propor uma fórmula de paz, o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia, que começou com o envio de tropas russas ao país do Leste Europeu, em fevereiro de 2022, não interessa aos americanos. Os EUA, diz o embaixador, estariam se beneficiando da venda de material bélico e hidrocarbonetos para as nações europeias.
A Rússia anunciou a suspensão das exportações de petróleo e diesel, o que causou preocupação, inclusive do Brasil, que é um grande importador de óleo diesel russo. Há previsão de quando a retenção vai terminar?
Não posso prever. O governo tomou a decisão de impedir temporariamente a exportação de petróleo e diesel, para influenciar o mercado interno. Quando discutimos os preços do petróleo, derivados e do gás, devemos ter em conta que o mundo está agora orientado para a neutralidade carbônica, mas precisa levar em consideração todas as consequências da mudança. Tudo deve ser planejado, e não só falado. Para nós, qualquer que seja o país, seja Brasil, seja europeu, ou africano, a tarefa principal é garantir o funcionamento da nossa própria economia. Somos grandes produtores de petróleo, gás e derivados, mas devemos estabilizar o mercado interno, que mostrou o crescimento do preço. Já estamos verificando uma queda dos preços domésticos.
Como o Kremlin viu o encontro entre os presidentes Lula e Zelensky?
Nós respeitamos a política soberana do nosso parceiro estratégico, que é o Brasil, e aceitamos tudo o que está feito dentro dessa política. Consideramos que o Zelensky, e todo o regime que foi instalado no Ucrânia, continua sendo um regime quase neonazista, um regime antiRússia, um regime baseado, infelizmente, nos valores que foram propagadas pela Alemanha fascista. E, mais: esse regime, que foi instalado em 2014, mostrou-se um fantoche orientado pelas potências estrangeiras.
No dia seguinte ao encontro entre Lula e Zelensky, os chanceleres do Brasil e da Rússia, Mauro Vieira e Sergey Lavrov, tiveram uma reunião. Sobre o que conversaram?
Temos uma agenda de cooperação estratégica entre os nossos países. Estamos trabalhando em conjunto no Conselho de Segurança, onde o Brasil ocupa o lugar de membro não permanente e vai presidir o órgão a partir de outubro. Além disso, apreciamos todas as ideias do Brasil sobre as possibilidades de solução do conflito com a Ucrânia. E, efetivamente, temos agenda bilateral vasta, que inclui o diesel, acordos comerciais e projetos de investimentos.
O Brasil e outros países em desenvolvimento têm sido pressionados a apoiar as sanções econômicas aplicadas contra a Rússia. Como isso é visto por Moscou?
Estamos convencidos que as sanções unilaterais empreendidas pelos países ocidentais são ilegítimas. E quando falamos sobre a situação atual econômica no mundo, devemos tomar em consideração que as sanções contra a Rússia de fato falharam. Os países ocidentais e os seus adeptos cortaram o sistema bancário, cortaram o sistema financeiro e impediram quase totalmente o trabalho das suas companhias no mercado russo. Mas o efeito foi inesperado.
Não aconteceu nada com a economia russa?
Não temos escassez em nada. As sanções constituíram uma abertura das novas possibilidades para os empresários russos nos mercados interno e externo. A grande incógnita para os organizadores das sanções foi o ressurgimento da classe empreendedora na Rússia. Pensaram que a saída do Mcdonalds fosse afetar o mercado, mas em vez do Mcdonalds, temos outra empresa que comprou os ativos e produz a mesma coisa, com outra designação. A produção do setor agropecuário explodiu. Estamos agora ocupando o primeiro lugar na produção do trigo no mundo.
O senhor não acha que a Rússia, como membro permanente e com direito a veto no Conselho de Segurança, fica em uma posição confortável, impedindo a aprovação de resoluções contra si?
Efetivamente, nenhum um país vai aceitar sanções unilaterais, e entendemos que essas ações não vão passar pelo Conselho de Segurança. As únicas sanções que podem ser legais teriam de ser adotadas pelo Conselho de Segurança. As sanções mais abrangentes da História foram um bloqueio continental contra a Inglaterra. Qual foi o resultado? A morte de Napoleão, na ilha de Santa Helena, aqui no Atlântico. Aconselho os autores das sanções a estudar um bocadinho a História. Também aconselho aos adeptos de sanções a lerem Marx e Friedrich Engels. No Capital de Marx, está escrito que, qualquer que seja o capitalista, ele vai vender a sua própria mãe, caso se trate de lucro maior do que 300%. Isso estamos observando hoje.
O presidente Lula defende a criação de um grupo de países para ajudar a costurar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. O Brasil poderia contribuir?
Minha opinião sobre as iniciativas do Brasil é que elas são muito positivas. Compreendemos muito bem os objetivos que a parte brasileira e, pessoalmente, o presidente, quer atingir. Mas a realidade é outra. Os próprios ucranianos têm uma lei que proíbe a conversa diplomática com a Rússia. Além disso, em março e abril do ano passado, foi realizada uma primeira tentativa das conversas políticas e quase foram publicados textos sobre o tema. Mas os donos que ficam em Washington e outras capitais impediram e as ações militares continuam. Eles estavam fornecendo todo tipo de equipamento bélico para os ucranianos.
Para a Rússia, os EUA querem a guerra?
Isso é bem visível. As corporações militares americanas podem fornecer pelos preços do mercado grande quantidade de material bélico para os países da Otan. Hoje, o mercado de hidrocarbonetos da Europa foi redistribuído. O gás e o petróleo russos saíram e esse lugar agora está ocupado pelos americanos, que cobram bem mais caro.
A ampliação do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), com o ingresso de seis novos membros (Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Egito e Etiópia), a partir do ano que vem, pode ser uma contraposição à força do G7 (chamado grupo dos ricos, que tem como membros EUA, Itália, Canadá, Japão, França, Reino Unido e Alemanha)?
Não gostaria de fazer o raciocínio em termos de sobreposição e contraposição. Devemos, em primeiro lugar, estudar a governança global. As tentativas de governar o mundo a favor do G7 falharam e os problemas dos países em vias de desenvolvimento não se resolvem. Se tomarmos como exemplo o continente africano, 60 anos depois da Independência da maioria dos países, há problemas gravíssimos, sem solução por falta de investimentos e por falta de responsabilidade dos antigos colonizadores.
O Tribunal Penal Internacional acusa o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de crimes de guerra. O que diz seu governo?
Não somos parte desse Tribunal e não queremos fazer observações sobre algo que não nos pertence e não nos interessa. Assim como nós, os americanos e os chineses não fazem parte dele.
Se o Brasil vender munição para a Ucrânia, poderá ser retaliado pela Rússia?
A decisão de vender ou não vender pertence ao Estado soberano brasileiro.
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