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Fama, dinheiro, assédio: a realidade por trás do conteúdo erótico em plataformas como OnlyFans e Privacy

Mercado do 'sexo virtual' inclui influenciadores que faturam alto, até mais de R$ 100 mil, mas há também quem pague o preço da superexposição com depressão, solidão e cyberbullying

Agência O Globo - 17/09/2023
Fama, dinheiro, assédio: a realidade por trás do conteúdo erótico em plataformas como OnlyFans e Privacy

Aos 16 anos, ela já vendia produtos de sex shop pela internet. “Eu já sabia que sexo era um tema com o qual eu queria trabalhar”. Depois, para juntar dinheiro e sob pressão da família, aceitou um outro trabalho com carteira assinada. Por pouco tempo. Ela voltaria ao início de tudo após ter o celular roubado e se ver, de novo, diante de outro revés, perdida sobre o futuro. A gaúcha Martina Oliveira, de 20 anos, cedeu aos apelos de amigos que viam nela um potencial inato para brilhar com conteúdo erótico.

A história de Martina repete a de homens e mulheres que descobriram em plataformas de serviço de sexo virtual um meio de vida seguro e rentável. É a venda de fetiches para todo tipo de desejo — da batida fantasia da enfermeira até as mais loucas como a inflatofilia, uma tara por balões de festa infantil, que faz a modelo Dasha Aley, de 28 anos, faturar R$ 30 mil por semana com vídeos em que aparece estourando vários ao longo do dia para o desespero de seus vizinhos em Perth, na Austrália.

No caso de Martina, o fetichismo lhe garantiu sucesso de bilheteria e ir a jato para o topo da pirâmide social. Quarta influenciadora com mais assinaturas no Privacy, Martina fatura até R$ 100 mil por mês.

— Eu queria fazer faculdade, tirar carteira de motorista, empreender, mas fui assaltada enquanto trabalhava. Como precisava urgentemente de dinheiro, pensei: “Ok, vou fazer o que todo mundo está falando para eu fazer” — lembra.

Lives e estafa emocional

Da vergonha inicial que lhe fazia revelar pouco da intimidade e jogar para cima seu preço — cobrava R$ 150 mensais pela assinatura — ela foi se soltando e barateou o acesso. De madrugada, às escondidas — pois vivia com a mãe em Porto Alegre — entrava também no site Camera Prive, em que homens pagavam para que ela ficasse nua e realizasse seus desejos pela webcam.

— Eu fazia lives todas as noites quando chegava do trabalho — lembra. — Quando ia tomar banho, ligava a câmera do celular e já sabia que ganharia pelo menos R$ 50.

A vida dupla — entre um emprego formal e as incursões no obscuro mundo do sexo pago — acabou na marra. Uma de suas fotos vazou e circulou entre os colegas de trabalho, o que a fez deixar para trás qualquer vínculo com o que era visto como “normal”. Saiu de casa e foi morar com uma amiga.

Em entrevistas ao GLOBO, garotas que se tornaram celebridades na brasileira Privacy e na internacional OnlyFans contam sobre as dores da superexposição, muito diferente do que acontecia nos modelos tradicionais de prostituição, e as delícias de ter fama e dinheiro. Martina só sofre ao lembrar que a mãe a chamou de puta após receber print de uma foto sua por mensagem anônima. O que poderia ser o fim da linha foi o impulsionamento que faltava. Repetindo outra característica do fenômeno, ela estourou no ambiente mais fechado do sexo via redes sociais, após contar a briga com a mãe no TikTok.

—Em três horas, o vídeo já tinha 700 mil visualizações — afirma ela, que intuitivamente seguiu para algo mais ousado e espalhou cartazes por muros da cidade com um QR Code que levava para sua página com a pergunta: “Quer me ver pelada?”

O marketing agressivo — em que entregava a possíveis clientes nas ruas seus nudes — rendeu até denúncia de abuso e o apelido de “Beiçola da OnlyFans”. Mesmo vivendo de “sexo”, Martina não se vê como prostituta assim como outras influenciadoras dessas redes.

A vida das criadoras de conteúdo virou um filão. Lançada em 2016, a OnlyFans, um dos serviços mais populares, com sede em Londres, foi criada para promover artistas e aproximá-los de seu público. Na pandemia, usuários descobriram que o aplicativo podia ser uma forma de monetizar em dólar num cenário de desemprego e isolamento social. É comum, de vez em quando, viralizar a notícia de fulana (o) abriu uma conta no OnlyFans. É porque dá Ibope e dinheiro. A versão brasileira, o Privacy, reúne mais de 100 mil influenciadores e, desde a fundação, acumula mais de 2 bilhões de acessos e 16 milhões de usuários mensais. Entre as celebridades que mais se destacam, está Andressa Urach que, nos últimos meses, ganhou chamadas no noticiário provocando a imaginação erótica.

A plataforma garante que pessoas não famosas conseguem lucrar R$ 30 mil por mês. Aos 19 anos, Júlia (nome fictício) começou a fazer programas esporádicos para pagar as contas. Com filho para sustentar e mãe com câncer, ela trocou o tête-à-tête com os clientes pela venda on-line de sua imagem. E descobriu, na prática, que quem mostra mais ganha mais. Se realizar fetiches, o faturamento cresce.

— Como no começo não postava nada explícito, não tinha tanta venda. Comecei a postar fotos mais explícitas e vídeos acompanhada para faturar mais, e a alta demanda fazia eu me sentir a mais gostosa de todas — admite Júlia, que produzia para a Privacy.

O OnlyFans se tornou um império de entretenimento adulto, com uma receita que disparou para US$ 1,09 bilhão no ano passado (R$ 5,3 bilhões), um aumento de 18% em relação a 2021. A plataforma informa ter mais de 3 milhões de criadores. Se 2021 fechou com 187 milhões de contas de fãs, em 2022, este número alcançou 220 milhões. O desejo pela intimidade alheia levou usuários de todo o mundo a gastarem US$ 5,5 bilhões no site no ano passado.

A superexposição dessas influenciadoras nem se compara à de antecessoras que prestavam serviços sexuais analógicos, embora estas últimas estivessem mais sujeitas a riscos. Nas redes sociais, são comuns relatos de jovens que, na corrida por dinheiro e até para fugir da fome, encontraram a depressão. Júlia, que hoje trata um câncer de ovário, diz estar arrependida e solitária.

— Parece que toda a exposição foi em vão. A sensação que fica é a de sujeira. É como se eu tivesse deitado e rolado na lama — conta Júlia, que deixou a plataforma há dois meses para preservar o filho. — Às vezes, compensa mais fazer um programa em que só uma pessoa tem acesso a você do que transar com várias para o conteúdo e nunca mais ser olhada sem segundas intenções.

Para vencer nessa indústria, é preciso também resistir a uma rotina que exige participação direta em todo o processo, da produção ao marketing. Doutora em antropologia social pela UFBA, Caroline Dal’orto foi trabalhar no ramo ao perder a bolsa de permanência e se dedicou ao estudo de caso.

— A produção de conteúdo sexual não é vista como um trabalho e isso gera assédios que ferem a saúde mental sobretudo de mulheres, vítimas de machismo e dos tabus sobre o corpo — explica a pesquisadora. — A venda de nudes livra as criadoras de conteúdo de certa violência física, mas as expõem ao cyberbullying e ao pornô de vingança, que são vazamentos na internet que se tornam eternos e podem levar a vítima até o suicídio.

O vazamento de imagens íntimas não autorizado é crime, com pena de 1 a 5 anos de prisão, mas os acusados, protegidos pelo anonimato, quase sempre ficam impunes.

Tabu unissex

Na pandemia, o ator e cantor Augusto Volcato, de 36 anos, entrou para o OnlyFans, após suas peças serem tiradas de cartaz. Em vídeo que viralizou nas redes, Volcato contou, em lágrimas, que a decisão custou o fim de um relacionamento de três anos.

— Meu ex ainda estava passando pelo processo de se assumir gay e não entendia o OnlyFans como profissão — diz ele, que não vê as atuações sexuais como traição, mas reduziu o ritmo e hoje só compartilha o mínimo para garantir renda de R$ 120 por dia. Mesmo assim, ainda usa a rede X (antigo Twitter) para fazer seu marketing pessoal e, em um dos posts, aparece sujo de graxa para mexer com a fantasia dos que se sentem atraídos por mecânicos.

— O fetiche é um ótimo investimento porque leva à fantasia personalizada. Um cliente com fetiches está disposto a pagar a mais para ver você ser uma professora, mandar uma calcinha ou cueca usada. Quando o cliente é homem, há quem peça para ser chamado com um nome de mulher — diz Caroline Dal’orto.

Nas plataformas, a miscelânea que deu certo envolve desde fotos sensuais a cenas de sexo explícito.