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Novo 'grupo' do Brasil? Filipinas e Burundi, únicos países que saíram do TPI, têm histórico de violação de direitos humanos

Mecanismo internacional, composto por 123 Estados, tem ausências que incluem várias das principais potências do planeta, como os Estados Unidos e a China

Agência O Globo - 14/09/2023
Novo 'grupo' do Brasil? Filipinas e Burundi, únicos países que saíram do TPI, têm histórico de violação de direitos humanos

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, esclareceu nesta quarta-feira que não há, no momento, uma proposta para o Brasil sair do Tribunal Penal Internacional (TPI), negando declarações anteriores sobre reavaliar a adesão ao órgão. Até hoje, apenas o Burundi e as Filipinas deixaram o mecanismo internacional, composto por 123 Estados — e com ausências que incluem várias das principais potências do planeta, como os Estados Unidos e a China —, sob alegação de que o tribunal não é imparcial.

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A afirmação de Dino ocorre após as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o órgão — incluindo a intenção de convidar o presidente russo, Vladimir Putin, para a próxima reunião do G20, a ser realizada no Rio de Janeiro no próximo ano, mencionando inicialmente que o mandatário não correria risco de prisão no Brasil.

Criado pelo Tratado de Roma de 1998, o TPI entrou em vigor quatro anos depois como a primeira e única organização internacional para julgar indivíduos por crimes de guerra, lesa-Humanidade, genocídio e agressão. A retirada de um país do TPI, entretanto, não é um processo imediato e pode levar algum tempo para ser finalizada. Além disso, as decisões de retirada e reversão podem ser influenciadas por fatores políticos e pressões internas e externas, tornando o processo ainda mais demorado.

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Veja como é a situação dos direitos humanos no Burundi e nas Filipinas hoje:

Burundi

Em 2017, o Burundi, república da África oriental que foi colônia da Alemanha e da Bélgica no século XX, tornou-se o primeiro país a se retirar oficialmente do TPI. A decisão foi tomada após uma série de eventos turbulentos no país. Na época, o governo burundinês sob o então presidente Pierre Nkurunziza enfrentou alegações de graves violações dos direitos humanos, incluindo a repressão violenta de protestos políticos em 2015 — quando Nkurunziza buscava o terceiro mandato.

Em resposta a essas alegações e à deterioração da situação dos direitos humanos no país, o TPI anunciou em abril de 2016 que abriria uma investigação preliminar sobre a situação no Burundi. Essa investigação, vista como interferência externa nos assuntos internos do país, levou o governo a anunciar sua retirada do órgão em outubro daquele mesmo ano, e a retirada efetiva ocorreu em outubro do ano seguinte. Na época, mais de 430 pessoas teriam sido mortas, pelo menos 3.400 pessoas detidas e mais de 230 mil forçadas a procurar refúgio em países vizinhos, segundo o TPI.

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Desde então, a violação dos direitos humanos no país ainda preocupa a ONU e organizações internacionais, como a Human Rights Watch (HRW) e a Anistia Internacional (AI). Segundo a HRW, a maioria das organizações independentes de direitos humanos ainda não consegue operar no país, muitas com atividades suspensas ou proibidas desde 2015.

Um relatório da organização, publicado no primeiro semestre deste ano, menciona inúmeros casos de violações de direitos humanos, incluindo prisões arbitrárias, repressão política e limitações à liberdade de expressão, além da situação precária dos refugiados. Também destaca a falta de cooperação do governo burundinês com mecanismos internacionais de direitos humanos.

O país é o oitavo colocado na lista de 10 países com os índices de liberdade mais baixos, segundo um ranking da World Population Review de 2021.

Além disso, a homossexualidade é criminalizada no país desde 2009, com penas de até dois anos de prisão. No início de março deste ano, o presidente Évariste Ndayishimiye exortou a população a "amaldiçoar aqueles que praticam a homossexualidade, porque Deus não pode suportar isso", acrescentando que essas pessoas "devem ser banidas, tratadas como párias".

Filipinas

Nas Filipinas, o então presidente Rodrigo Duterte anunciou a retirada do país do TPI em outubro de 2016. O país havia ratificado o Estatuto de Roma em 2011, durante a Presidência de Benigno "Noynoy" Aquino, antecessor de Duterte, dando ao tribunal a autoridade para investigar crimes em seu território.

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Duterte enfrentava críticas internacionais por sua campanha de combate às drogas, que resultou em milhares de mortos. A polícia filipina afirma que matou pelo menos 4,1 mil supostos traficantes e consumidores de droga no âmbito desta campanha. Grupos de defesa dos direitos humanos, no entanto, garantem que o número é três vezes maior do que o total divulgado pelas autoridades.

Na época, o governo filipino alegou que estava saindo do mecanismo devido à interferência internacional nos assuntos internos do país. A saída foi formalizada em março de 2019.

O país até hoje é alvo de preocupação de entidades internacionais por conta dos abusos de direitos humanos. O relatório da HRW sobre as Filipinas em 2023 menciona a contínua campanha antidrogas do governo e destaca preocupações sobre execuções extrajudiciais, abusos cometidos pelas forças de segurança e falta de responsabilização. Também aborda questões relacionadas à liberdade de imprensa, assédio a defensores dos direitos humanos e restrições à liberdade de expressão.

Em 2022, houve 324 assassinatos ligados a drogas, sendo 175 após julho, de acordo com o grupo de pesquisa Dahas, citado em um relatório da AI. Algumas ações foram tomadas pela Justiça para acusar policiais em casos de assassinato durante operações antidrogas, mas a maioria permanece sem investigação.

Em junho do ano passado, o TPI solicitou a retomada das investigações sobre crimes contra a Humanidade na "guerra às drogas", alegando que as investigações nacionais eram insuficientes. No entanto, o governo filipino continuou a se recusar a cooperar com o TPI.