Internacional

Abuso sexual infantil cresce na Venezuela em meio à crise econômica e migratória

País recebeu mais de 5 mil denúncias em 2022, 29% a mais do que no ano anterior; especialistas atribuem aumento ao fluxo migratório e falta de aulas em escolas públicas

Agência O Globo - 07/09/2023
Abuso sexual infantil cresce na Venezuela em meio à crise econômica e migratória
Violência - Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

A Venezuela registra um aumento nos casos de abuso sexual infantil, segundo dados oficiais aos quais a AFP teve acesso. A migração — que levou milhares de pessoas a deixar seus filhos sob cuidados de terceiros — e a falta de aulas nas escolas públicas estão entre as principais causas.

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Em alguns casos, dizem os especialistas, o abuso ocorre mesmo com o consentimento do cuidador, desesperado por um "pagamento" em comida ou dinheiro. De acordo com os números, a Venezuela registrou 5.519 denúncias de abuso sexual infantil em 2022 — 29% a mais que no ano anterior. Do total, 2.311 foram indiciados e 1.013 condenados.

Na última década houve mais de 17 mil indiciamentos e 5.196 condenações. Segundo um relatório da ONG Una Ventana a la Libertad (UVL), o crime de abuso infantil é uma das seis principais causas de prisão no país.

Vulnerabilidade

Cerca de 10 milhões dos mais de 30 milhões de habitantes da Venezuela — um terço do total — são crianças e adolescentes, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Os especialistas concordam que o abuso infantil ocorre "mais facilmente" quando os menores estão em situações de vulnerabilidade.

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A migração é um exemplo claro. Muitos jovens do país acabaram ficando sob os cuidados dos avós, vizinhos, tios ou familiares próximos porque os seus pais ou responsáveis diretos emigraram, fugindo da crise econômica, explica a criminologista Magally Huggins. Estima-se que 7 milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos anos.

— Eles estão mais sozinhos, expostos à violência e aí vem o abuso, esse problema cultural que agora aumenta — alerta Huggins.

Outro motivo, acrescenta a criminologista, é a crise do sistema educacional.

— As escolas [públicas] não funcionam, ou então funcionam um ou dois dias por semana — afirma, explicando o cenário desde que os professores reduziram a carga horária de trabalho devido aos salários baixos, deixando muitos jovens ficam sem cuidados.

A Rede pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (Redhnna) também denuncia casos em que pais permitem os abusos em troca de dinheiro para conseguir alimentos, como "uma medida para enfrentar a crise econômica".

— Realmente vemos isso com muita frequência — afirma a assistente social Angeyeimar Gil, pesquisadora da Redhnna, que acompanha a situação dos direitos das crianças por meio das denúncias registradas na imprensa. — Em muitas ocasiões, a mãe emigrou ou a mãe está trabalhando e não está presente em casa.

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Visibilidade

O procurador-geral, Tarek William Saab, disse à AFP que o projeto "Pedofilia é crime", lançado em 2021, "permitiu que as pessoas perdessem o medo" de denunciar.

— Ele conseguiu fazer com que pessoas que não sabiam que eram vítimas ou que tinham medo apresentassem uma denúncia, e obviamente esses casos não prescrevem — afirmou Saab. — A visibilidade tem sido fundamental, tornar o fenômeno visível e falar sobre ele abertamente.

No entanto, uma ex-policial, mãe de uma menina que teria sido abusada pelo pai, da mesma corporação, denunciou uma grave demora processual. A mulher conta que, após fazer a denúncia, foi pressionada e teve que pedir demissão.

— Eles falam: 'tem campanha', 'sim, denuncie, fale', mas esse foi o crime que eu cometi, de ter denunciado, de ter falado — conta.

O caso já se arrasta há um ano e quatro meses e ainda está pendente uma investigação sobre o ex-marido, que se declara inocente e está em liberdade.

A Child Rights International Network, uma rede que apoia a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, denunciou que a Venezuela é o segundo país da América Latina com menos medidas para prevenir o abuso sexual infantil.

— Há fraquezas e os funcionários não estão treinados para abordar e cuidar das vítimas de abuso sexual infantil — afirma a especialista em segurança cidadã, Francis Prieto.

Saab, por outro lado, afirma que há uma "politização" do tema e defende a sua gestão, com 12.502 indiciamentos desde 2017 — ano em que assumiu o cargo — e 4.295 condenações.