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'A vida não para': soldados mutilados encontram forças para voltar à rotina através do futebol na Ucrânia

Grupo, formado por dez soldados, se reúne uma ou duas vezes por semana em uma quadra de Kiev

Agência O Globo - 07/09/2023
'A vida não para': soldados mutilados encontram forças para voltar à rotina através do futebol na Ucrânia

Há um ditado popular que diz que “o jogo só acaba quando o juiz apita”. A frase, usada para dar ânimo e estimular a seguir adiante, parece cair como uma luva em soldados ucranianos feridos durante a guerra na Ucrânia. Mutilados, militares e civis decidiram seguir, apesar da tragédia — e o campo de futebol é um dos motivos.

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Na quadra em Kiev, um grupo de dez ex-combatentes, composto por jovens e adultos, se reúne uma ou duas vezes por semana para uma partida. A paixão pelo esporte veio antes dos ferimentos provocados pela guerra.

Volodymyr Samus é um deles. O soldado de 42 anos perdeu a perna após ser atingido por estilhaços em Avdiivka, no Leste da Ucrânia, na região de Donetsk. A região, tomada em maio por forças russas apoiadas pelos paramilitares do Grupo Wagner, foi palco de um dos combates mais sangrentos da guerra.

— Nós nos adaptamos — disse Samus à AFP.

O homem contou à agência francesa que jogou futebol por muito tempo, mas que agora, sem uma das pernas, é diferente.

— É uma sensação totalmente nova. Como uma criança que aprende a andar, aprendemos a brincar — observou.

O sentimento de que há mais para viver também é compartilhado pelo ex-policial Oleg. O homem, de 46 anos, era um oficial da 46ª brigada de assalto, uma unidade localizada em Robotyne, no Sul do país.

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Usando muletas, ele contou à AFP que quase morreu em dezembro do ano passado, durante um combate em Bakhmut, cidade no Leste da Ucrânia tomada pela Rússia.

— [Um soldado russo] atirou em mim com um lançador de granada a cerca de sete metros. Ele estava com medo. Se ele segurasse a arma com firmeza, teria me acertado no meio do peito e agora eu não estaria jogando aqui — relembra Oleg à agência.

O homem conta ainda que muitos dos seus amigos do campo de batalha que sobreviveram procuraram conforto em outras coisas, como drogas. Ele lembra que, ao ver que havia perdido a perna, chegou a pensar que a vida tinha acabado.

— Mas aqui estou! — disse com um sorriso.

Quem também teve parte da perna amputada foi o ex-combatente e parte da equipe Oleksandre Malchevski. Ele foi atingido no joelho por uma bala em um ataque perto de Kharkiv, no Nordeste do país, em maio do ano passado.

Um membro a menos, contudo, não é sinônimo de dificuldade. Pelo contrário, o ex-combatente de 31 anos compensa a falta de parte da perna com inteligência e agilidade. A mesma filosofia que tem levado para a vida.

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— Tenho uma mulher e um filho de nove anos. Não quero ficar em cadeira de rodas e receber cuidados. Ter perdido uma perna não mexe com a minha psique. Ninguém me obrigou [a lutar]. Fui voluntário desde os primeiros dias e sabia do risco — destacou à AFP.

Na partida de cinco contra cinco, um dos goleiros é o sargento Yevguen Nazarenko, de 31 anos. Também em maio do ano passado, o então controlador de drones de reconhecimento foi atingido pela explosão de um projétil danificado, a dez metros dele, levando-o a perder o braço.

Jogador de futebol amador desde novo, Nazarenko contou à agência francesa que voltou recentemente ao campo e que já aprendeu a controlar drones com apenas um braço. A expectativa é voltar ao trabalho assim que conseguir uma prótese.

— É preciso mostrar aos outros jovens lesionados que a vida não para e que eles não precisam ficar em casa — ressaltou à AFP.