Internacional
Filho de bilionário, Daniel Noboa surpreende no primeiro turno ao fugir da polarização e atrair voto jovem
Apesar da pouca experiência política, filho de Álvaro Noboa, cinco vezes candidato, pode surpreender se atrair os votos contrários ao correísmo
Jovem, rico, com uma boa formação acadêmica, que inclui uma das melhores universidades dos Estados Unidos, bem articulado e sempre com um semblante tranquilo, o candidato Daniel Noboa surpreendeu na eleição de domingo, no Equador, quando terminou em segundo lugar com quase 24% dos votos, o equivalente a mais de 2,2 milhões de eleitores. Com 35 anos, o empresário, filho do presidenciável Álvaro Noboa — que concorreu cinco vezes, a última contra o ex-presidente Rafael Correa, em 2006 — é a nova aposta para derrotar o correísmo, mas foi justamente sua postura de não confrontação que o ajudou a chegar no segundo turno, apontam especialistas.
Apesar de ter ficado nove pontos percentuais atrás da primeira colocada, Luisa González, afilhada politica do ex-presidente Rafael Correa, Noboa pode ter vantagem se atrair os votos contrários ao ex-presidente. Ainda assim, teria dificuldade de governar, já que a Assembleia Nacional será dominada pelo Revolução Cidadã, de González, que conseguiu cerca de 40% dos votos.
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O assassinato do candidato Fernando Villavicencio, dias antes do último debate presidencial, mudou completamente o cenário no primeiro turno, marcado pela violência política e pela incerteza nas pesquisas. E no debate, Noboa se sobressaiu: sem ser atacado pelos demais candidatos, já que aparecia bem atrás nas pesquisas, conseguiu apresentar de forma clara suas propostas, principalmente no setor de empregos e na área de segurança, mostrando-se como uma opção fora da tradicional polarização que tem marcado as últimas eleições no país.
— Sempre com uma postura calma, ele teve espaço para apresentar suas propostas, o que favoreceu sua imagem. Também gerencia muito bem suas redes sociais, o que acabou o conectando com os jovens e indecisos, que procuram alguém fora da polarização entre correísmo e anti-correísmo — explica María Villarreal, professora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UniRio. — O país cansou dos confrontos e quer outro tipo de projetos. Também ficou claro que a população não quer um Bukele equatoriano [representado por Jan Topic, que acabou em quarto]. Quer alguém que resolva os problemas e tenha um projeto de país.
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Daniel Zovatto, do Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (Idea), confirma o bom desempenho de Noboa no debate, mas acredita que este foi apenas um dos fatores que explicam seu crescimento na reta final do pleito. Outro ponto importante foi a rejeição de grande parte da população aos partidos políticos tradicionais, principalmente os mais jovens, que representam 25% do eleitorado.
— Noboa entendeu bem que não era uma boa estratégia se aliar a esses partidos contra o correísmo, mas falar diretamente aos cidadãos — afirma. — Com apenas 35 anos, conseguiu estabelecer uma conexão com os jovens, que representam quase 4 milhões de eleitores. Como na Argentina, com a vitória de Javier Milei nas primárias, e na Guatemala, que elegeu Bernardo Arévalo no domingo, esse voto foi crucial.
Filho do magnata das bananas Álvaro Noboa — que tem uma fortuna estimada em US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) — e da médica e filantropa Anabella Azín, presidente da Fundação Cruzada Nova Humanidade, Daniel Noboa nasceu na cidade equatoriana de Guayaquil, mas tem cidadania americana e estudou boa parte de sua vida adulta nos Estados Unidos. Formou-se em Administração de Empresas em 2010 pela Stern School of Business, da Universidade de Nova York. Entre 2010 e 2018, fez parte da Noboa Corporation, empresa do pai, onde atuou como diretor comercial e de logística — nessa época, viajava com frequência para Miami.
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Antes de migrar para a política, voltou aos EUA: em 2019, concluiu um mestrado em Administração Pública na Universidade de Harvard e, no ano passado, obteve outro título de mestre, desta vez em Comunicação Política pela Universidade George Washington. Entre uma especialização e outra, foi eleito para a Assembleia Nacional do Equador nas eleições legislativas de 2021, representando o município de Santa Elena, pelo movimento político Equatoriano Unido, de centro. Ali, se destacou como presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Produtivo e da Microempresa.
Na campanha, destacou-se como o "candidato do trabalho", com propostas para atrair investimentos estrangeiros e gerar emprego para os mais jovens. A sombra do pai não esteve presente em nenhum momento, pelo contrário: apesar de fazer parte de uma das famílias mais ricas do país, o candidato alega, com frequência que sue seu patrimônio é menor e diz que está construindo seu caminho por conta própria.
— Seu pai tomou a decisão de não ser visível na campanha, para que sua sombra não o prejudicasse. E Daniel tem uma personalidade completamente diferente, é pragmático, se posiciona e articula muito bem. Não tem uma linguagem agressiva. Acho que está bem posicionado para enfrentar o correismo — afirma Zovatto, lembrando, no entanto, que serão dois meses de campanha pela frente. — O cenário totalmente aberto para ambos.
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Villarreal lembra ainda das ações sociais dos projetos da mãe na Fundação Cruzada Nova Humanidade, onde há muitas doações de comida, e oferta de serviços através de brigadas médicas, por exemplo, "relações clientelares que configuram, na prática, compra de votos".
Pontos fracos
Apesar de tentar se afastar da família durante a campanha, no entanto, Noboa faz parte da elite econômica do país, assim como é o atual presidente Guilherme Lasso, cujas propostas neoliberais não serviram para ajudar a combater o aumento da criminalidade sem precedentes. No segundo turno, seu passado também poderá ser mais explorado, como acusações de violência psicológica por parte de sua ex-esposa Gabriela Goldbaum. Em uma carta postada em um jornal equatoriano, em 2019, Goldbaum diz que foi traída pelo marido quando ainda estava grávida da filha, e diz que, após a separação, Noboa não respeitava os acordos de visitas. Sua rival, a advogada Luisa González, é a primeira mulher a vencer o primeiro turno no país.
— A questão de classe será crucial. Daniel Noboa será um Lasso 2.0? Ele apresenta propostas do mundo empresarial mas o país precisa de soluções sociais estruturais — diz Villarreal. — Já González, se quiser ganhar as eleições, precisará fazer alianças para transcender o correísmo mais tradicional, atraindo não apenas a esquerda e o centro. Se criar uma frente ampla, um projeto de unidade nacional, pode conseguir parte dos votos do Otto Sonnenholzner e até de Jan Topic.
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Por último, a pouca experiência política de Noboa pode pesar. González tem dez anos a mais e uma longa carreira no Executivo, que começou em 2008. Durante o governo de Rafael Correa, de 2007 a 2017, assumiu diversos cargos: foi ministra do Trabalho, do Turismo, secretária Nacional de Administração Pública e vice-cônsul do Equador em Madri, na Espanha. Em 2018, já no governo de Lenin Moreno, foi Secretária Nacional do Parlamento Andino. Em 2021, foi eleita deputada por Manabí, pela aliança União pela Esperança.
Embora o assassinato de Villavicencio, um anti-correísta ferrenho, tenha atrapalhado o desempenho da candidata no primeiro turno, seu partido, o Revolução Cidadã, deve se firmar como maior força política do país, e terá maioria na Assembleia Nacional. Por isso, mesmo com chances reais de ser eleito em um potencial segundo turno, Noboa terá grandes dificuldades de governar, assim como Lasso, que dissolveu a Assembleia e antecipou as eleições, em meio a um processo de impeachment.
— É um governo de 15 meses, de transição. A nova Assembleia não deve ter maioria absoluta, ou seja, o tema de governabilidade vai ser importante. Lasso nunca conseguiu superar isso.
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