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Moradores de Bogotá se dividem entre ignorar o medo ou sair de casa após aumento da taxa de homicídios

Número de assassinatos cresceu 11% em relação a 2022 na capital colombiana, tornando a segurança pública em tema central da campanha nas eleições regionais

Agência O Globo - 02/08/2023
Moradores de Bogotá se dividem entre ignorar o medo ou sair de casa após aumento da taxa de homicídios

Três tiros foram ouvidos na segunda-feira, 24 de julho, às duas horas da tarde em uma área nobre no norte de Bogotá, na Colômbia.

— Eles mataram alguém — comentaram as pessoas que estavam em um posto de gasolina.

A poucos metros dali, na entrada do estacionamento de uma academia, estava o corpo sem vida do empresário Carlos Alberto Ortega. Em poucos minutos, os assassinos fugiram, a academia fechou, os familiares chegaram e a polícia paralisou o trânsito. O crime ganhou as manchetes nacionais rapidamente, e os políticos opinaram na mesma velocidade. Havia algo fora do comum: dessa vez o crime havia acontecido em uma área rica da cidade.

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A capital colombiana registrou um aumento de 11% no número de homicídios este ano, um crescimento que afeta principalmente os bairros mais pobres, mas é perceptível até mesmo naqueles com segurança privada. Os dados transformaram a segurança pública em tema central nas eleições de outubro para a Prefeitura: a direita propõe mais prisões ou mais drones, no estilo do presidente salvadorenho Nayib Bukele. A esquerda propõe mais oportunidades econômicas, para que os jovens não caiam na delinquência. Os especialistas, por outro lado, dizem que não há nada de inovador nas propostas.

O candidato que vencer não será necessariamente aquele com a política mais eficaz, mas aquele que conseguir acalmar o medo e a ansiedade da população de Bogotá. O El País percorreu três áreas da cidade — uma rica, uma pobre e uma comercial — para ouvir as opiniões dos moradores, entender como os homicídios perturbam a paz e a tranquilidade e descobrir quais propostas eles gostariam de ver na campanha.

No norte de Bogotá, a culpa é da pandemia ou dos venezuelanos

A percepção de insegurança na Calle 85 depende do "gosto político", diz Sebastián Martínez, treinador em uma academia próximo ao local do homicídio na segunda.

— A sensação de insegurança sempre existiu em Bogotá. Mas meus clientes não falavam tanto sobre isso quando Peñalosa [um prefeito de direita] estava lá. Eles falaram mais com Petro e agora com Claudia [prefeitos mais à esquerda] — acrescenta.

Martínez mora em Mosquera, um município mais popular a oeste da capital.

— Aqui você não vê o tráfico exposto como nos bairros populares, aquela coisa de não poder passar por uma rua — diz ele, referindo-se ao seu espaço de trabalho.

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Alguns moradores da zona norte da cidade acreditam que a criminalidade aumentou após a pandemia. Outros apontam para o aumento da migração de venezuelanos, às vezes usada como bode expiatório para políticos como a prefeita Claudia López. A única coisa que gera consenso é a rejeição à declaração imediata de López de que o crime foi cometido por um assassino.

— Ela não lhe deu o benefício da dúvida — diz um lojista.

Até mesmo Angela, uma empregada doméstica que inicialmente estava com muito medo após o crime, voltou à sua rotina. Sentada em frente ao estacionamento da academia, ela esperava seu amigo Jimmy limpar o sangue das janelas dos carros desde o início da manhã. Ele não tem medo, apesar de ter testemunhado a morte do empresário, porque confia em outro tipo de segurança, menos policial e mais espiritual:

— Não tive medo, porque estou com Deus. Não tenho nada a ver com isso. Deus é meu guia.

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No oeste da capital, pedem mais policiais e armas

Outro homicídio que abalou a região oeste da cidade ocorreu em 17 de julho, quando dois homens em uma motocicleta pararam no bairro operário de La Florida, no distrito de Engativá, para roubar duas mulheres. Elas, uma mulher idosa e sua filha, tinham acabado de receber dinheiro de um conhecido em um shopping center próximo e estavam prestes a entrar em casa para guardá-lo.

Os assaltantes foram surpreendidos por um homem de 60 anos chamado Jairo Leal Mojica, que os aguardava na plataforma e tentou impedir o assalto. Os assaltantes atiraram nele, fugiram e Jairo, conhecido como "o careca", morreu. A polícia e uma ambulância chegaram alguns minutos depois. Eles agora estão oferecendo uma recompensa de 20 milhões de pesos (cerca de R$ 24 mil) por informações sobre criminosos.

— A polícia é como os corvos: só aparece quando há um cadáver — diz Kenny Roger Nixon, proprietário de uma peixaria vizinha ao local do crime.

Ele diz que a rua, que é residencial, mas tem várias lojas pequenas, é famosa pelos ladrões de motocicletas que regularmente param os transeuntes para roubar seus telefones celulares. Esse é um fato também confirmado por uma vendedora de plantas e uma vendedora de detergentes no mesmo local. Todos os três, devido à insegurança, fecharam seus negócios mais cedo do que gostariam.

— Aqui vivemos como na época de Pablo Escobar: você fica com medo quando ouve uma motocicleta, mas geralmente é para roubá-lo e não para matá-lo — acrescenta Nixon, destacando que quando um telefone celular é roubado, a polícia não aparece.

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Nixon propõe mudar a lei "para que qualquer um que queira possa se armar" — uma solução no estilo dos EUA. A vendedora de plantas, que prefere não revelar seu nome, tem soluções menos drásticas: melhorar iluminação pública, começando pela troca das lâmpadas dos postes queimados.

— A polícia já não é suficiente, Claudia não está nem aí — diz a vendedora de detergentes, em referência à prefeita. — Eu saio nas ruas com Deus e a Virgem, porque não posso esperar que haja um policial para cada um de nós.

No epicentro comercial, os militares aparecem

A Agrexpo é a principal feira agrícola e pecuária do país e é realizada há mais de 45 anos. Sua última edição foi realizada no Corferias, um centro de convenções no centro-oeste da cidade, e durou 10 dias. No final de um de seus dias, em 19 de julho, dois homens foram mortos por assassinos de aluguel em um caso que ainda está sendo investigado. Os suspeitos fugiram em uma motocicleta, de acordo com a polícia, enquanto as vítimas, os empresários Andry González e Rui Alexandre Morais, morreram a hora. O incidente ocorreu por volta das 22 horas em um dos pontos de táxi localizados em frente à entrada da Corferias.

Devido à hora do dia e ao fato de ser uma quarta-feira, o movimento era mínimo e poucas pessoas viram o que aconteceu. Muitos funcionários da área já estavam em casa naquele momento e ficaram sabendo do fato pelo noticiário local.

— O que eles disseram ao escritório é que os homens não foram roubados. Eles dispararam e fugiram — disse uma mulher, que pediu para não ser identificada.

Um esquadrão de policiais patrulhou a área na quinta-feira, e dois deles confirmaram ao El País que haviam recebido ordens, desde o dia seguinte ao assassinato, para trabalhar mais horas e dobrar o número de funcionários que vigiavam o centro de convenções.

Com exceção da dezena de funcionários uniformizados, o dia transcorre com aparente normalidade. Quando perguntados sobre sua percepção da insegurança, a maioria dos trabalhadores observou que não se trata de um problema novo.

— Estamos em Bogotá, estamos na Colômbia — disse um jovem que distribuía publicidade para uma empresa de telecomunicações, sugerindo que a realidade nacional normaliza esse tipo de situação. — Aqui você pode ver que há pessoas vigiando. Os militares estiveram aqui anteontem, por exemplo — acrescenta

Dias após ao crime, aconteceu a meia maratona de Bogotá. O Corferias foi escolhido como o local para os milhares de participantes retirarem seus kits. Diego Devia, um médico que está se preparando para a corrida há vários meses, ficou surpreso quando lhe perguntaram sobre o que achava da segurança na região, mencionando o assassinato dos dois empresários.

— Eu não tinha ideia e por isso vim relaxado — confessou.