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Mais de 700 mil crianças foram levadas da Ucrânia para a Rússia durante a guerra, diz comissária russa acusada pelo TPI

Maria Lvova-Belova, assim como o presidente Vladimir Putin, estão sob mandado de prisão por crime de guerra de deportação ilegal de menores

Agência O Globo - 31/07/2023
Mais de 700 mil crianças foram levadas da Ucrânia para a Rússia durante a guerra, diz comissária russa acusada pelo TPI

Aproximadamente 700 mil crianças ucranianas foram levadas para a Rússia desde o início da guerra, em fevereiro do ano passado, disse Maria Lvova-Belova, comissária russa para os Direitos da Criança, em um relatório divulgado nesta segunda-feira. Tanto Lvova-Belova quanto o presidente da Rússia, Vladimir Putin, estão sob mandado de prisão desde março pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), que os considera suspeitos pelo crime de guerra de deportação ilegal de menores ucranianos.

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"Desde fevereiro de 2022, a Federação Russa recebeu cerca de 4,8 milhões de residentes da Ucrânia e das repúblicas de Donbass, dos quais mais de 700 mil são crianças", disse no relatório, segundo a CNN. Ainda segundo o documento, a maioria dessas crianças chegou à Rússia "com os pais ou outros parentes".

O documento também cita a chegada de cerca de 1.500 estudantes de instituições para órfãos ou crianças sem cuidado parental. Na região ocupada de Donetsk, 288 crianças foram posteriormente colocadas sob tutela em famílias adotivas de cidadãos russos.

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"As crianças da República Popular de Luhansk retornaram às suas instituições, mas posteriormente, 92 crianças deixadas sem cuidado parental, a pedido dos órgãos autorizados no campo da tutela e proteção da República, foram colocadas sob tutela em famílias adotivas russas", acrescentou Lvova-Belova no relatório.

Em comunicado em março, ao emitir a ordem de prisão contra Putin e Lvova-Belova, o TPI disse que os juízes de instrução consideraram, antes do julgamento, que "há razões consideráveis para acreditar que cada suspeito tem responsabilidade pelo crime de guerra de deportação ilegal de população e transferência ilegal de população de áreas ocupadas da Ucrânia para a Federação Russa", mencionando especificamente as crianças.

As violações, diz a nota do órgão, ocorrem desde ao menos 24 de fevereiro de 2022, quando começou a invasão russa ao país vizinho. Os magistrados consideraram emitir mandados secretos, mas decidiram que sua divulgação pública poderia "contribuir para a prevenção" de outros crimes.

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Autoridades ucranianas acusam a Rússia de ter "sequestrado" mais de 16 mil menores da Ucrânia desde o início da ofensiva. Moscou, por sua vez, nega que viole os direitos humanos ou que cometa crimes de lesa-Humanidade em sua "operação militar especial" (termo que usa para indicar a invasão) na Ucrânia.

Um relatório do Observatório de Conflitos da Universidade Yale, financiado pelo governo dos EUA, revelou, em fevereiro deste ano, mais de 6 mil casos documentados de crianças ucranianas, com idades entre quatro meses e 17 anos, sob custódia da Rússia. Muitas foram enviadas para supostas colônias de férias e nunca retornaram, sendo a maioria submetida a uma educação cívica intensa e, aponta o documento, possivelmente doutrinadora.

A própria Lvova-Belova, que coordena as ações, relatou, naquele mesmo mês, ter adotado uma menor ucraniana de 15 anos. A garota, de Mariupol, juntou-se aos outros 22 filhos da comissária russa: cinco biológicos e outros 17 adotados.

Prisão inviável

Criado pelo Tratado de Roma de 1998, o TPI entrou em vigor quatro anos depois como a primeira e única organização internacional para julgar indivíduos por crimes de guerra, lesa-Humanidade, genocídio e agressão. O tribunal é integrado hoje por 123 Estados, mas as ausências incluem várias das principais potências do planeta.

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A China sequer é signatária, enquanto Rússia e Estados Unidos chegaram a assiná-lo, mas não o ratificaram. Em 2016, Putin aprovou uma ordem para suspender o processo de adesão da Rússia após o tribunal determinar que a anexação da Crimeia, território ucraniano ocupado em 2014, foi uma ocupação ilegal. Em 2008, o tribunal já havia autorizado uma investigação sobre a guerra com a Geórgia.

Outro empecilho para o processo contra Putin é ainda mais prático: apesar de não atribuir imunidade a chefes de Estado e governo, o tribunal não pode julgar sem que o réu esteja fisicamente presente. E como não tem jurisdição na Rússia, a prisão do mandatário torna-se inviável dentro do país.