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Extrema direita perde fôlego a duas semanas das primárias na Argentina

Cesce a expectativa sobre a direitista Patricia Bullrich, única mulher na corrida pelo comando da Casa Rosada, conquistar uma vaga para a eleição de outubro

Agência O Globo - 30/07/2023
Extrema direita perde fôlego a duas semanas das primárias na Argentina

Faltam duas semanas para as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) na Argentina, teste eleitoral que definirá quais serão os candidatos que disputarão o primeiro turno das presidenciais de 22 de outubro, e o cenário é, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, de muitas dúvidas e pouquíssimas certezas. São dois os principais consensos: o candidato do governo, o ministro da Economia Sergio Massa, está com dificuldades para decolar pela crise, sobretudo pela taxa de inflação acima de 100% ao ano; e o candidato da extrema direita, Javier Milei, perdeu fôlego. Ao contrário do que mostravam as pesquisas até maio, hoje Milei aparece com poucas chances de disputar o segundo turno em 19 de novembro.

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O fenômeno Milei — admirador de Jair Bolsonaro e Donald Trump, mas que nunca teve seus níveis de popularidade, nem aliados políticos de peso —, que surgiu nas eleições legislativas de 2021, quando o pré-candidato presidencial do partido A Liberdade Avança, fundado e liderado por ele, foi eleito deputado, não mostra a fortaleza de outros tempos. De acordo com Mariel Fornoni, diretora da Management & Fit, entre abril e maio Milei chegou a ter 25% das intenções de voto nas Paso. O pré-candidato não disputará a candidatura presidencial de seu partido com ninguém, mas as primárias são obrigatórias e acabam sendo a pesquisa mais confiável .

— Milei teve escândalos de venda de candidaturas em seu partido, comportamentos muito estranhos, não tem estrutura política e todos os seus candidatos perderam nas eleições regionais realizadas este ano — explica Fornoni.

Milei, aliado do espanhol Vox, entre outros, deixou de ser favorito na eleição que determinará quem será o sucessor do peronista Alberto Fernández — que tem em torno de 18% de aprovação e é considerado um dos piores presidentes desde a redemocratização, em 1983.

— Outros nomes foram surgindo, como o de Patricia Bullrich. O resultado dependerá da participação, que foi baixa nas eleições regionais — afirma a analista.

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De fato, o crescimento de Bullrich, pré-candidata da aliança opositora de centro-direita Juntos pela Mudança, integrada pelo ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), afetou Milei. A ex-ministra dos governos Macri e De la Rúa (1999-2001) é a grande surpresa da campanha, e, segundo pesquisas, tem chances de vencer as primárias da oposição tradicional. Com um Milei que não conseguiu construir um partido nacional, e repete há mais de um ano as mesmas ideias (entre elas a de dolarizar a economia), a única mulher que está na corrida cresceu, e vem fazendo declarações fortes. Semana passada, Bullrich disse que a vice-presidente, Cristina Kirchner, condenada por corrupção (mas ainda sem sentença firme), deveria estar presa.

— Quando não tínhamos outros nomes fortes, Milei chegou a estar em primeiro lugar. Mas nos últimos dois meses a onda passou — afirma Diego Reynoso, que coordena as pesquisas da Universidade de San Andrés, descartando que possa se repetir o fenômeno Bolsonaro, eleito em 2018 sem estrutura partidária nacional.

Sem estrutura

Para ele, “embora Milei esteja num virtual terceiro lugar, sua presença mexeu no tabuleiro político nacional”.

— Hoje, em parte pelo surgimento de Milei, o eleitorado argentino tende à direita, e isso foi capitalizado por Bullrich — aponta Reynoso.

Para alguns analistas, se a pré-candidata, que tem o apoio tácito do ex-presidente Macri, vencer as Paso, tem a eleição ganha. A última pesquisa com cenários eleitorais divulgada pela San Andrés mostra que num eventual primeiro turno entre Massa, Larreta e Milei, o resultado, considerando a margem de erro de dois pontos percentuais, é um tríplice empate. Já numa disputa entre Bullrich, Massa e Milei, a pré-candidata da Juntos pela Mudança derrota seus adversários, alcançando 23,7% dos votos, contra 20,7% de Massa e 15,9% de Milei. Para ganhar uma eleição no primeiro turno são necessários 45% dos votos, ou 40% com uma diferença superior a 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado.

— Bullrich representa uma nova direita que não é elitista e tem apoio popular. Ela soube interpretar medos da população, entre eles o aumento da violência, e suas propostas, ao contrário de Milei, não são descabeladas — diz Reynoso.

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A principal bandeira de Bullrich é ordem, num país no qual os indicadores de insegurança se deterioraram, assim como os sociais e econômicos. Na Grande Buenos Aires, onde a taxa de pobreza, de acordo com dados do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina, supera 50% em alguns municípios, o número de assaltos se multiplicou nos últimos anos.

Bullrich promete segurança, e o foco de sua campanha já provocou comparações entre a pré-candidata e o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, um dos presidentes mais populares — e antidemocráticos — da América Latina. Seu governo reduziu a violência no que era um dos países mais inseguros do continente, com uma política de linha dura que foi alvo de denúncias de ONG locais e internacionais de defesa dos direitos humanos.

— Se vencer as Paso, Bullrich ficará forte, mas o cenário é incerto — afirma Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.

Larreta é a opção moderada da oposição tradicional. A questão é saber se, numa eleição na qual o peronismo deve perder o poder, os argentinos votarão por uma uma guinada à centro-direita, ou à direita radical.