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Mãe solo e dona de casa estão entre acusados de 'sedição', em meio a ofensiva contra liberdade de expressão em Hong Kong

Cidadãos comuns estão sendo levados aos tribunais com base em lei da era colonial por atos como criticar o governo em redes sociais e manifestar indignação contra autoridades

Agência O Globo - 29/07/2023
Mãe solo e dona de casa estão entre acusados de 'sedição', em meio a ofensiva contra liberdade de expressão em Hong Kong

Com a voz quase inaudível, Law Oi-wah, uma mãe solo acusada de sedição, se declarou culpada diante do tribunal de Hong Kong — e na presença do filho de 12 anos. Detida em março, a mulher de 48 anos foi acusada, com base em uma lei da era colonial, por compartilhar nas redes sociais dezenas de mensagens em defesa da democracia escritas e publicadas por outras pessoas. Ela entrou com pedido de liberdade sob fiança, que foi negado pela justiça.

“Minha mãe não volta há um mês, por favor, deixem minha mãe voltar para casa”, escreveu o filho dela ao tribunal que condenou a mulher a quatro meses de prisão em abril.

O caso de Law é apenas um entre várias condenações por sedição ocorridas em Hong Kong onde, segundo críticos do governo, Pequim aumenta, cada vez mais, seu controle autoritário.

Depois das manifestações massivas — e por vezes violentas — pela democracia, em 2019 e da instauração de uma lei de segurança nacional imposta por Pequim, Hong Kong aplicou, pela primeira vez em mais de 50 anos, a lei de sedição criada na época da colonização britânica.

Entre as mais de 30 pessoas acusadas por sedição, ao menos dois terços não eram militantes nem políticos, mas simples comerciantes ou trabalhadores do setor de serviços.

Os casos chamam atenção porque são julgados rapidamente, por tribunais menores e como ameaças à segurança nacional. Os atos classificados como sedição são, principalmente, críticas a autoridades (governo, polícias, tribunais) por meio de cartazes, adesivos ou mensagens em redes sociais.

Os processos são conduzidos por juízes escolhidos pelo governo para questões de segurança, casos em que a autorização de liberdade sob fiança se tornou uma exceção. Desse modo, muitos cidadãos desistem de lutar diante da falta de opções, explicaram à AFP advogados e acusados em processos.

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Sem vontade de se defender

Kenji — identificado por um pseudônimo para se proteger — conta que perdeu a vontade de se defender depois de passar cinco meses detido.

— Quando se está dentro, se passa dias pensando se vão apresentar acusação baseada em segurança nacional contra você. Ainda que achemos muito injusto, nos declaramos culpados para uma saída mais rápida — explica Kenji, que foi acusado de ter criticado publicamente as autoridades.

As penas por sedição poder chegar a dois anos de prisão. Ao assumir a culpa, o acusado pode ter a pena reduzida em um terço.

De acordo com o ministro da Segurança de Hong Kong, Chris Tang, a lei de sedição é um instrumento necessário. Engloba atos, discursos ou publicações com “intenções sediciosas”, como o estímulo ao “descontentamento e insatisfação”, promover “sentimentos de maldade” ou incitar a violência.

O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas criticou “a interpretação demasiado ampla e a aplicação arbitrária” dos delitos de sedição e da lei de segurança nacional em Hong Kong, onde as autoridades garantem que a legislação é clara.

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Kim Hau foi presa em fevereiro por publicar folhetos questionando o programa de vacinação contra a Covid-19. A ex-gerente de um salão de chá foi condenada por sedição a sete meses de prisão.

— Qualificam qualquer coisa como sediciosa porque acham que vão incitar as pessoas a atuar direta ou indiretamente contra o governo — diz ela.

Um advogado especializado nestes casos reconheceu que esse tipo de delito apresenta “falta de certeza jurídica”

— Querem essa ambiguidade. Isso basta para assustar pessoas simples — diz o advogado que pede para não ser identificado.

Chiu Mei-ying, dona de casa de 68 anos, se viu às voltas com as autoridades, em abril, acusada de ter pronunciado “palavras sediciosas”. Três meses antes, tinha assistido ao julgamento de um militante e se manifestou diante do juiz.

— Apenas pronunciei uma frase — alega.

O processo custou a Chiu o equivalente a US$ 38,3 mil (R$ 180,7 mil). Ela desistiu de recorrer e cumpriu três meses de prisão.

— Continuo sem entender o que é sedição — afirma a dona de casa.