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Cabeça parada é oficina de algoritmo

Dartagnan Zanela 23/06/2023
Cabeça parada é oficina de algoritmo
Dartagnan - Foto: Arquivo

Muitas vezes nos deparamos com um texto de difícil compreensão e, diante da dificuldade encontrada, podemos, de forma despojada, admitir que precisamos nos aprimorar na arte da leitura ou, como acontece muitas vezes, podemos, com os olhos cheios de bazófia, dizer que o texto é incompreensível porque está mal escrito, ou algo do gênero.

Doutra parte, quando o autor de um texto recebe um comentário desse feitio, apontando para a possível inelegibilidade de seu escrito, este pode, com desprendimento, se perguntar como ele poderia tornar as ideias que vertem do seu tinteiro mais claras e compreensíveis para aqueles que forem deitar suas vistas em seu trabalho, ou então, tomado pela empáfia, pode julgar que as observações feitas por seu leitor são apenas o fruto de uma almas desprovida de cultura, de discernimento acanhado e assim por diante.

Seja na posição do leitor, ou no lugar do escritor, infelizmente, na maioria das vezes, o que mais abunda entre nós seria justamente a atitude soberba, enquanto as pobres e surradas sandálias da humildade, tadinhas, ficam esquecidas, largadas empoeiradas no fundo do armário da nossa ignorância presunçosa.

Não é à toa, nem por acaso, que hoje em dia seja tão difícil fazer-se compreensível e, principalmente, nos esforçar para compreender, tendo em vista que praticamente todos acreditam que estão montados na razão a respeito de qualquer coisa.

As razões para essa arrogância, que nos torna avessos a toda e qualquer reflexão e questionamento são muitas, muitas mesmo, mas, de todas elas, creio que há uma que merece um especial destaque por ser, provavelmente, a mais aviltante de todas.

No mundo em que vivemos, o acesso às informações é amplo pra caramba e isso, sejamos sinceros, é muito bom. Porém, junto com esse acesso facilitado que temos para poder garimpar informações, e bem como para disseminá-las, acabou por vir junto com um inconveniente que, em grande medida, acabou por atravancar o nosso discernimento de forma significativa. No caso, o inconveniente seria aquilo que poderíamos chamar de consumo conspícuo de informações, que reduz o ato de informar-se a um mero entretenimento fuleiro.

A maneira como nós consumimos notícias hoje em dia não difere muito do modo como consumimos séries televisivas, músicas e a exibição de competições desportivas. Da mesma forma que ficamos ansiosos pelo próximo episódio da série de nossa predileção, da mesmíssima maneira que ficamos apreensivos para assistir a próxima partida que será jogada pelo nosso time do coração, nós assim ficamos para saber quais serão os próximos lances noticiosos que vão chegar até nós pela caixinha de ilusões, que é a televisão, ou pelas vielas da internet, que nada mais é que um grande labirinto de simulações.

E por procedermos desse modo, ao invés de esmerilarmos nossa atenção para afiar o nosso entendimento, acabamos nos dispersando, fragmentado nossa capacidade de compreensão e esmigalhando nosso poder de concentração.

Aí, dia após dia, sem nos tocarmos, ficamos mais e mais obcecados para estarmos a par das novidades sobre os acontecimentos que estão em destaque no universo digital e televisivo sem que, necessariamente, nos sintamos impelidos a refrearmos essa volúpia para nos aprofundar em um e outro assunto ou, quem sabe, simplesmente para pararmos para compreender melhor algo que realmente seja relevante e que, por sua deixa, não é contemplado pelos espasmos midiáticos.

Por essa razão, e por muitas outras, que muitas e muitas vezes, quando estamos lendo algo, nos sentimos impacientes e queremos de imediato uma resposta curta e grossa que confirme as nossas expectativas e, procedendo assim, encurtamos a nossa paciência e, com ela, limitamos a nossa compreensão e mutilamos o nosso entendimento de uma forma tão sacana quanto inclemente.

E o mais engraçado nesse tipo de comportamento, manifesto por nós em nosso consumo voraz por notícias superficiais, que não comunicam nada, é que esse consumo nos dá a impressão de estarmos fazendo algo muitíssimo importante, como se o equilíbrio do cosmos inteiro dependesse de nossa entrega de corpo e alma a esse círculo vicioso e, sem nos darmos conta, terminamos agindo feito um bichinho adestrado preso num labirinto.

Falando nisso, lembrei-me, vejam só, da segunda temporada do seriado “Lost”, daquela galerinha que ficou presa numa ilha pra lá de sinistra. Nesta temporada, dentro da estação “O Cisne”, havia um contador de 108 minutos que era ligado em um alarme. Quando o alarme soava, o contador deveria ser zerado. Se isso não fosse feito algo muito ruim poderia acontecer.

Bem, podemos dizer que é bem assim que nós agimos diante do frenesi noticioso, com suas notificações sem fim, que ocupa o centro do mundo contemporâneo.

E o pior de tudo é que esse condicionamento pavloviano, que nos submetemos voluntariamente, é chamado carinhosamente por nós de “tomada de consciência”, “consciência crítica”, “patriotismo” e demais paspalhices similares para, deste modo, nos sentirmos confortáveis frente a esse fiasco cognitivo que nos metemos.

Por isso, parece-me que seria um bom começo se, todas as vezes que déssemos de cara com um texto que nos parecesse difícil - ou todas as vezes que alguém afirmasse que aquilo que escrevemos estaria truncado – nós tivéssemos a humildade e a paciência necessárias para, realmente, nos esforçarmos para bem compreender o que nos está sendo apresentado, pois, como todos nós sabemos, mas preferimos fingir que não sabemos, sem um bom tanto de esforço sincero, a única coisa que conseguimos cultivar em nossa alma é apenas e tão somente aquela maldita alienação que deixa o nosso discernimento pra lá de avacalhado. Apenas isso e nada mais. Nada mais mesmo.