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Gênero, realização bem-humorada de direitos

Léo Rosa de Andrade 30/03/2023
Gênero, realização bem-humorada de direitos

No relativo aos costumes sociais e mesmo aos pessoais, o Direito, comumente, é um lastro. Seja: os costumes são feitos progredir, mas o Direito segura a permanência do passado, munindo de legalidade o conservadorismo. O Direito, tradicionalmente, preserva relações de poder que se fundamentam em discursos de interesses legalizados.

Nos últimos tempos, contudo, em alguns aspectos, essa afirmação já não pode ser generalizada. No Brasil, relativamente às relações de gênero, tanto as normas constitucionais quanto as civis, como igualmente as decisões judiciais, sobretudo as do STF, têm incitado os costumes familiares e particulares da mui recatada gente desta nação, conformando-os aos avanços da civilização.

Nas recentes quadras históricas, as mulheres estão nos espaços públicos e nos meios privados em que ocorrerem relações coletivas, afirmando na prática, com luta sua e de homens lúcidos e sensíveis à sua causa, o que a legislação lhes garante em tese.

E o fazem com sofisticação muito bem-humorada. Transcrevo comentários ao desabafo de um homem ofendido com o que ele interpretou como assédio de outro homem em um banheiro público (Facebook, Spotted UFMG, 28abr16).

Narra o reclamante: “Gostaria de mandar um VSF para todos os ‘Manja-Rola’... A gente tá mijando de boas no mictório e do nada aparece um FDP pra mijar do seu lado, sendo que há vários outros mictórios livres e disponíveis? TNC. A regra do banheiro é clara: ‘Chegou pra mijar no mictório e já tem um cara mijando? Não mije do lado dele! Ou você espera o cara acabar, ou vai nos mictórios que estão mais afastados dele! Será que é tão difícil entender isso”?

Então, a fina ironia das mulheres: Raianny Martins: “Vagabundo, foi pro banheiro sozinho, tava pedindo pra isso acontecer... Da próxima vez, se não quiser ser assediado, não saia sozinho, oras”. Ana Luisa Murta: “Se a namorada tivesse junto, os caras respeitavam. Quem é que manda ir mijar sozinho? Dá nisso”.

No mesmo sentido, tantos outros: Marina Chagas: “Tirou a rola pra fora é porque quis mostrar mesmo”. Ana Paula Ribeiro: “Vai carregar uns sacos de cimento e se alistar no exército, em vez de ficar se exibindo por aí”.

Vitória Jessica: “Cara, mas na moral, você não tem provas disso, não tem testemunha e sequer fez um BO ou reclamou com o tiozinho segurança do campus. Não reclamou é porque gostou, coisa que um homem certo não faz, e qualquer olhadinha virou assédio, né?! Menos mimimi e mais alistamento, por favor”!

Bárbara Isabelle: “Que isso?! Mijando no mictório? Pediu pelo assédio. Tsc... Tsc... Tsc... Carência é mato, heim jovem”! Larissa Barra: “Aprende a aceitar um elogio! Sorte sua que alguém quer ver isso aí”.

Mari Silveira: “Que mimimi... Isso é falta de laje pra bater. Quem mandou expor seu membro em banheiro público? Homem de família só faz suas necessidades em banheiros privativos. Vai caçar um chuveiro queimado pra trocar”.

Daniela Pena: “Na minha época todo mundo olhava rola alheia e ninguém nunca morreu por isso. Agora nada mais pode porque galera reclama. Eu, heim”?! Sarah Maciel: “Mulher nenhuma valoriza homem que faz xixi em banheiro público”.

Carlinha Bernardes: “Você tem certeza de que ele olhou? Vai ver imaginou tudo isso. Fazer um escândalo danado por uma coisinha à toa dessas... Não, não, não! Você já parou pra pensar que esse cara que você diz que olhou pra sua rola tem família, emprego. Você realmente quer fazer isso com ele? Você vai acabar com a moral dele assim? Você com certeza não se deu ao respeito. Tirando o pinto pra fora num banheiro público, sozinho. Por que você teve que ir mijar”?

Andrezza Xavier: “Isso é frescura. Estava pedindo, né?! Olha essa cueca da moda”. Patrícia Silva: “Se estivesse dentro de casa abrindo um vidro de palmito, ou pintando uma parede, isso não teria acontecido”. Renata Santos: “Bem que minha mãe falou que esses homens que vão em banheiros públicos não são para casar”.

Comentários “sociológicos” à publicação (Fábio L. Stern, Facebook, 29abr16): Karla Garbo: “É bem assim que muitos homens comentam sobre abuso de mulheres com roupa curta ou decotada... Adorei”! Michele Linhares: “Quando o jogo vira e falamos o que ouvimos, é esse o resultado”. Litícia Karoline: “Parece que o jogo virou, não é mesmo”?

Não diria que o jogo virou de todo, mas que as mulheres têm, já, razoáveis condições de jogar. Machistas que apelam aos costumes colidem com a liberdade feminina assegurada pelo Direito e por lutas sociais. Homens esclarecidos sentem-se muito bem, obrigado.