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A boêmia de Jacarecica
Jacarecica nome indígena composto da junção de yacaré + icica, ou seja, a baba do jacaré. É um bairro localizado da orla norte da bela cidade de Maceió. A praia de tem águas limpas com ondas altas, excelente para prática de surf. Destaca-se a Avenida Litorânea com bares servindo um bom peixe, cerveja gelada, água de coco para lazer dos moradores e turistas. Um local aprazível onde Maristela nasceu se criou e mora até hoje na casa, herdada de seus pais, em frente ao marzão azul esverdeado. Ela ama seu bairro, ali criou seu único filho.
Certa manhã, ainda em jejum, Maristela dirigia seu carro à beira-mar em direção ao laboratório, detestava levar agulhada, entretanto, precisava fazer exame de sangue. De repente lembrou, havia deixado o cartão de saúde em cima da cabeceira da cama. Retornou apressada à sua casa, estacionou o carro. Ao entrar ouviu Cavalcanti, o marido, falando ao telefone. Fechou a porta com cuidado e escutou em silêncio a conversa do marido.
– Meu bem, você sabe, eu te amo, mas só posso me encontrar com você pela tarde, é melhor, a Jararaca não desconfia. “Se você quer ser minha namorada… Ai que linda namorada você poderia ser…” Tenha paciência, só posso lhe pegar no final da tarde.
Parou de falar quando um vaso espatifou-se em sua cabeça. Zonzo, Cavalcanti soltou o telefone, assustou-se ao ouvir os gritos de Maristela louca de raiva.
– Saia dessa casa agora! Seu filho de uma puta! Vá encontrar sua rapariga, não quero você aqui dentro dessa casa. Suma antes que eu lhe mate.
O marido sequer levantou a voz, não adiantava defender-se. Pela segunda vez foi flagrado. A primeira foi com uma namorada dentro no carro, agora um flagrante audível, sem questionamento. Com medo da mulher louca e traída, Cavalcanti escafedeu-se com a roupa do corpo, hospedar-se-ia num hotel até as coisas de acalmarem.
Maristela caiu aos prantos na cama, sem condições de fazer os exames no laboratório. Por toda manhã chorou sozinha, reviveu sua vida, 20 anos de casamento. O filho único, maior orgulho, estudando no Canadá. Entretanto, a traição é imperdoável. A força do amor próprio reagiu à fera ferida. Em certo momento ela levantou-se, respirou fundo, tirou a roupa, só de calcinha olhou-se no espelho. 42 anos, corpo perfeito se não fossem algumas detestáveis celulites, ainda era muito atraente, muitos homens olhavam com desejo, algumas vezes havia sido cantada por belos homens, até mulheres, contudo, nunca admitiu traição, sempre fiel ao marido. Desconfiava de o marido não ser santo, entretanto, dessa vez, foi um flagrante contundente, machucou, ainda martelava no ouvido, a ter chamado de Jararaca. Entrou no banheiro, uma hora de ducha morna ajudou ao reconforto. Almoçou, deitou-se na cama, o pensamento rodopiava. Algumas amigas telefonaram, sequer comentou o flagrante, nem conselho pediu. Pela tarde foi a uma loja chique, comprou três belos vestidos, decotados e sensuais.
Ao anoitecer telefonou para Vera, uma amiga separada e vida torta. Perguntou qual o melhor programa daquela sexta-feira. Vera percebeu que havia alguma coisa no ar. Tornou-se cúmplice da amiga. Convidou-a imediatamente a dar um bordejo pelas nove da noite nos bares da Jatiúca. E seja o que Deus e o Diabo quiserem, disse, soltando uma gostosa gargalhada.
Maristela chegou às nove e meia no bar marcado, ao avistar Vera numa roda de amigos acenou com a mão, dirigiu-se à mesa animada, sua amiga apresentou-a, os homens se encantaram com a jovem coroa, inteligente, bonita e recém-separada como frisou com certa maldade Vera. Foi uma noitada de alegria e muita farra, Maristela aproveitou toda noite, mudaram de bar, jantaram, terminaram numa boate da moda, dançando, cantando, paquerando, até o dia amanhecer.
Maristela acordou-se ao meio-dia na cama de um companheiro de noitada, o cara dormia, roncava. Ela levantou-se, foi ao banheiro, vestiu-se, saiu sem barulho e sem vestígio. Pegou um taxi para casa, nem triste, nem alegre, relembrou de toda noitada, fazer amor com um desconhecido, experiência nova, vida nova, ainda não sabia o rumo a tomar. Sabia apenas que jamais voltaria para o Cavalcanti.
No sábado à noite retornou à balada, começava a gostar ser solteira novamente, em pouco tempo tornou-se a maior boêmia. Dois anos se passaram. Maristela se sente feliz, tem seu emprego, ninguém dá palpite em sua vida, gosta da noite, sem compromisso sai com um ou outro namorado fortuito. Não gosta sequer de conversar com o ex-marido, nem cogita de casamento, pelo menos enquanto tiver fôlego para enfrentar baladas. Adora, durante a manhã, pegar uma cadeira e sombrinha e tomar sol na praia de Jacarecica, onde nunca viu um jacaré, mas aprecia o corpo da juventude surfando em sua praia.
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