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Luiz Sávio de Almeida, o Delegado
Às vezes, basta um olhar, um gesto, uma palavra qualquer, para intuir a totalidade de uma vida, a possibilidade de uma aproximação quase exata da pessoa com a qual falamos pela primeira e única vez. Isso aconteceu comigo no meu encontro, no ano passado, com um dos maiores intelectuais deste país, o professor, historiador e sociólogo alagoano Luiz Sávio de Almeida, falecido recentemente em Maceió, aos 80 anos.
Aconteceu também no meu único encontro com Pierre Verger, o fotógrafo e etnólogo francês que aportou na Bahia em 1946, para se tornar uma marca indelével da cultura afro-baiana. Naquela ocasião, em 1990, em Salvador, o encontrei num evento e ao ser apresentado comentei que estive algum tempo em Caiena, capital do departamento de ultramar da Guiana Francesa, durante as minhas viagens de carona pela América Latina nos idos dos anos 80. Eu, que pretendia inquirir o eminente francês sobre as suas viagens pelo continente, tive que tentar responder nesse breve momento do nosso encontro todas as suas dúvidas sobre os tipos humanos e costumes de Caiena.
Voltando aos dias de hoje, não lembro de um impacto tão eloquente como aquele, de estar diante de um intelectual orgânico, eminente professor, generoso e modesto, um mestre doutorado nos dois âmbitos, o acadêmico e o popular, como no dia que tive a mesma sensação diante do professor Luiz Sávio de Almeida, numa entrevista para o documentário “Jangadeiros Alagoanos, o que Orson Welles não viu”.
Para acertar a citada entrevista liguei para ele inúmeras vezes, sem sucesso. Até que um dia, do outro lado do celular, uma voz cavernosa disse, intempestiva – Aqui é o delegado, o que você quer? Soube depois, diante das minhas insistentes chamadas, que o tal delegado era o mesmíssimo professor Sávio, brincando, talvez fastidioso de receber tantas ligações, optou por uma divertida solução para preservar seu sossego. Liguei novamente e atendeu a sua esposa, que transmitiu a minha solicitação a ele: – É alguém querendo falar com o delegado! E após estrondosas gargalhadas do outro lado do celular, voltou a seriedade da voz grave e da profissão declarada: – Aqui é o delegado… quem fala? Ato contínuo, não sem certo estupor, me apresentei e no meio de muitas risadas marcamos a entrevista uma quinta feira no seu apartamento da Avenida Lages, na Ponta Verde.
Na data combinada fui ao seu apartamento e fiz a entrevista. Mas muito além dela, o transcendente foi esse impacto do qual falei no início. Tocamos diversos temas, história, cultura, política com a desenvoltura de dois amigos de velha data, e ainda ganhei dois livros, um dos quais devorei imediatamente: “Memorial Biográfico de Vicente de Paula, o capitão de todas as matas, guerrilha e sociedade alternativa na mata alagoana”. Depois me ausentei de Maceió por alguns períodos e num dos meus retornos lançamos o documentário sobre os jangadeiros alagoanos em diversos locais, mas ele não pôde comparecer, por questões de saúde. Também não pude mais visitá-lo e numa sexta feira, 10 de fevereiro, recebi a notícia da sua partida.
No final daquela entrevista ele me pediu que escrevesse um texto sobre o documentário que fizemos em 2021 sobre o caso Braskem (A Braskem passou por aqui, a catástrofe de Maceió) para publicar no jornal O Dia, numa edição especial da qual ele era o editor. Em verdade, eu soube depois de conhecê-lo, ele já tinha me procurado (por Facebook) no ano anterior para escrever essa matéria sobre a Braskem.
Infelizmente, não dediquei o tempo necessário para entregar esse material solicitado, nem antes (quando ainda não o conhecia) e nem agora. Talvez por isso, e já bastante tarde, estou escrevendo estas breves linhas para lembrar emocionado daquele dia em que conheci o historiador, sociólogo e professor Luiz Sávio de Almeida, também, em certas ocasiões, delegado.
Carlos Pronzato é cineasta documentarista e escritor
Editado e revisado por Vanderlei Tenório – colunista de cultura da Tribuna do Sertão
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