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La lavadera

12/02/2023
La lavadera

No final dos anos 1960, eu tenente do Exército, servia na bela cidade do Recife de praias e mulheres lindas, de repente fui transferido para comandar a 9ª Companhia de Fronteiras, Roraima, em plena selva amazônica, tendo a dificultosa missão de fiscalizar e manter as fronteiras do Brasil com a Guiana Inglesa e a Venezuela. Trabalho árduo numa extensa e inóspita região, o que dignificou e aprazou minha passagem pelo Exército Brasileiro. A fiscalização constante de uma guarnição militar protegendo nossas fronteiras faz a diferença, a dedicação do militar brasileiro impõe o respeito de nossos vizinhos.

Tive oportunidade e conheci aquele vasto mundo, sua cultura, seus costumes peculiares e seculares. Viajei de jipe ou em pequenos aviões, sobrevoando e descendo na diversidade territorial da região, em campos de pousos que também eram campos de futebol. Conheci aldeias indígenas, como os Ianomâmis com seus problemas de saúde e inanição, insolúveis até hoje. Poucos médicos no Território. O Capitão Doutor Cyro teve muito trabalho além dos muros do quartel, às vezes chamado para atender doentes nos povoado montanhoso de Roraima.

Nada a reclamar, aprendi muito e tenho maior orgulho em ter servido ao país naquela rica região que poucos conhecem e muitos dão opiniões inadequadas.

Porém, nem tudo era trabalho, tive meus momentos de lazer e divertimento porque ninguém é de ferro.

 Minha base era na pequena cidade de Boa Vista, eu morava numa casa junto ao quartel.  Na cidade havia energia elétrica controlada; quando faltavam 10 minutos para 10 da noite, a iluminação pública piscava, era sinal que a cidade ficaria no escuro, hora de retornar às suas casas para a maioria dos cidadãos. Geralmente, à luz de um candeeiro, eu lia na varanda até mais tarde, até chegar o sono, ou conversava com meus colegas, um médico e um dentista, tomando um salutar uísque.

Nas primeiras semanas, estranhei uma mulher que passava à noite pela rua gritando com sotaque espanhol: “Lavadera, quién tiene ropa para lavar? Lavadera!!!”

Certa vez, eu estava com roupa suja acumulada num saco, chamei a lavadeira. Ela chegou à varanda sorrindo, andando feito uma potranca. Surpreendi-me com a estampa de Maria Pilar, bela peruana, morena de olhos amendoados, vestia uma saia rodada estampada com flores coloridas com pernas bem torneadas. Solitário na varanda meu olhar se fixou na blusa branca decotada mostrando seios exuberantes. Ficou mais bonita à luz do candeeiro. Busquei um saco de roupa suja no quarto enquanto Pilar me esperava.

 A lavadeira deu uma sonora gargalhada, caçoando de minha ingenuidade e confessou baixinho nos meus ouvidos: “Amor yo lavo otros tipos de cositas”.  Pelo olhar matreiro da peruana percebi seu gênero de trabalho.

Pediu-me uma bebida, preparei duas doses de bom uísque, coloquei gelo tirado da geladeira a gás e conversamos. Bem humorada e num espanhol fácil de entender ela contou-me costumes de sua terra, Iquitos, cidade na Amazônia Peruana, onde as prostitutas apelam para a profissão de lavadeiras para oferecer outros tipos de serviços. Maria Pilar, boa menina, teria 25 anos, nos entendemos. Algumas noites ela aparecia para uma boa conversa na varanda, apreciando um bom uísque; excelente contadora de história, eu aprendi muito dos costumes da Amazônia.

 Anos depois, lembrei-me de Maria Pilar, lendo um excelente romance do genial peruano Mário Vargas Llosa: “Pantaleão e as Visitadoras”, história baseada em fatos reais. Nos anos 70 o Exército Peruano organizou um serviço oficial de visitadoras (prostitutas) aos cabos e soldados que serviam na selva amazônica peruana guarnecendo as fronteiras, há mais de um ano sem ver mulher. O Serviço especial levava de barco jovens visitadoras recrutadas nos cabarés e nas ruas (as lavadeiras) de Iquitos. Beleza de livro, como são todos de Vargas Llosa.

Maria Pilar contou-me ter morado em Santiago, no Chile, onde as jovens garotas de programa frequentam alguns bares típicos, mostrando sua mercadoria. A esses bares deram o nome de café, ou melhor, “Café con Piernas”. Viajando em Santiago, se o amigo estiver em precisão, já sabe para onde se dirigir. No centro da cidade proliferam os “cafés con piernas”.

Pilar esteve também em Habana de Cuba no regime de Fidel onde a carona é uma instituição e os carros oficiais são obrigados a darem carona ao povo nas ruas. Muitas mulheres aproveitam a instituição da “botella” (carona) em busca de turistas para um programinha. Confessou minha amiga.

 As histórias de Maria Pilar veem comprovar que em todos os lugares do mundo, em todas as épocas, sempre existiram essas jovens prestadoras de serviço sexual. Seja Cleópatra, uma rainha, ou Maria Madalena, uma santa. Nunca deixará de haver Messalinas. Prestam o serviço mais antigo do mundo. Aprendi muito com as conversas noturnas com la lavadera Maria Pilar.