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A volta ao paraíso
Interditado parece igual a proibido. Seja um lugar, um conhecimento, uma pessoa, o que se deseja está ali, ao alcance, porém, com o acesso negado. Religiosa e psicanaliticamente, porém, o interdito é um proibido com significados marcantes. Não é um proibido qualquer. Exemplos: um interdito católico é um preceito eclesiástico que nega o acesso a lugares sagrados; o incesto é um interdito social relevante para a psicanálise.
Há, pois, uma diferença relevante entre proibido e interditado: no proibido eu obedeço, ou não, à ordem proibitiva externa; o interdito eu internalizo, logo, obedeço, aparentemente, a mim mesmo, ou ao que, provavelmente, em mim, produziu a interdição.
Convido a um raciocínio que nunca li, mas que, talvez, outros já tenham desenvolvido melhor antes de mim: o feminino, na tradição ocidental, é um interdito. Explico-me: na nossa cultura, a mulher sempre foi o “objeto” que mais se controlou. Foi submetido a controle não apenas o seu corpo, mas a sua movimentação, a sua fala, a sua vontade, a sua postura, os seus sonhos, o seu órgão sexual.
Embora todos os avanços pós-1960, creio que a “coisa” mais controlada do mundo ainda seja o órgão sexual feminino. Sobre a anatomia há uma geografia, e, nela, se delimita acesso a determinadas “regiões”. Assuntei para a questão porque pensava no Dia da Mulher e via nos jornais aqueles corpos cobertos de preto que se movem nas praças, ou revoltosas, ou sob paz forçada, do Oriente Médio.
Já namorei uma moça mulçumana que, pelos costumes do seu lugar, cobria o corpo, incluindo o rosto. Tenho foto com ela, e creio saber o que digo: a foto conta perto de nada, não se conhece quem está dentro da roupa. É interessante: os jogos de aproximação são pelo olhar, pelos sons de algum sorriso, por gestos, pela precisão das palavras, mas, no fundo, você se relaciona sem saber exatamente com quem.
Por aqui é diferente, sim, claro. Mas as sobras da tradição semita nos habitam. O nosso mito “oficial” de fundação, o Velho Testamento, conta que a mulher comeu do fruto da árvore interditada do conhecimento, e dele deu de comer ao homem. Pronto: souberam-se nus, tiveram vergonha (será?) e, ainda por cima, inauguraram o pecado original.
Eu aprecio pecados, originais ou não, mas as mulheres sofrem a consequência da desobediência revolucionária de Eva. A mulher que inaugura a mitologia semita foi coberta por folhas de figueira e até hoje é censurada, agredida e até morta, se tira ou mesmo se reduz a roupa.
Homens judeus, cristãos e muçulmanos interditaram as mulheres, em prejuízo deles mesmos. Penso assim por que nos espaços civilizatórios em que as mulheres se libertam das imposições masculinas elas se podem autorizar a dispensar muito da sua obrigação de cobrir-se, o que as emancipa em muitos sentidos (roupa pode ser repressão), e a se relacionar sexualmente com razoável liberdade (sexualidade é autonomia).
Contudo, um contraditório comportamento: mesmo mulheres autônomas, se encontram o “seu” homem, regra geral, são conduzidas ou recaem em submissão. São interditadas ou mesmo se autointerditam para o mundo. Por que será assim? De onde vem isso? Sobras reminiscentes de autoridade patriarcal, introjetada por milênios. Proibição subjetivada. Interdito.
Não creio que uma muçulmana, ao se dirigir à rua, cogite se deve ou não se cobrir; simplesmente se cobre. Desacredito que uma cristã brasileira, ao ir à praia, ajuíze sobre vestir biquíni; veste-o sem refletir. Essas mulheres descobrem a bunda, algumas os seios, o que é bom, no sentido de que é conquista. Será que não se dispensariam de mais vestes se não houvesse um resto de domínio machista estabelecendo um mínimo interditado?
Mulheres, acautelem-se, vocês estão agindo contra os próprios interesses. Regressem ao Paraíso! Eduquem os homens. Alguns protestarão, mas outros vão imitá-las, também se bancarão naturais. Seria o éden, a liberdade primitiva. Que nos venha esse céu, amém.
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