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Uma história de amor

08/01/2023
Uma história de amor

No longínquo ano de 1963, eu tinha 23 anos, Tenente do Exército Brasileiro servindo na Bahia, passei as férias de verão, como de costume, em Maceió. Certo dia, minha irmã Rosita convidou-me para visitar o acampamento das Bandeirantes (escoteiras), com mil recomendações para que eu não me enxerisse com as jovens. Quando olhei aquela galeguinha de 15 aninhos, não pude deixar de cantar uns versos da ciranda cochichando em seu ouvido: “Oh menininha você é tão bonitinha… Engraçadinha… Vou me casar com você…”

Anos depois, já como capitão no 20º BC em Maceió, cursava a Faculdade de Engenharia. Solteiro, bonito, com outros amigos, éramos os donos, os boêmios da cidade.

Até que num dia de carnaval em 1969 encontrei aquela bandeirante bonitinha que havia retornado de estudos dos Estados Unidos. Ao me deparar com a galeguinha, senti um relâmpago no corpo que chegou ao fundo da alma, me apaixonei inesperadamente. Logo se cumpriu a premonição da ciranda cantada em seu ouvido. No dia 9 de janeiro de 1970 na Catedral Metropolitana de Maceió casei-me, feliz da vida, com Vânia.

A despedida de solteiro foi no Bar do Miltinho na praça 1º de maio, quando era do povo. Uma noitada maravilhosa e alegre. O bar se encheu de amigos, colegas da faculdade, empresários, militares, pescadores, políticos, amigas, até um padre. De repente chega Téo Vilela com uma Banda de Pífano, cantando: “A minha turma que bebe um pouquinho… no bar do Miltinho… até o sol raiar”.

Entrei na Catedral lotada pelos braços de Dona Zeca, fardado de Capitão. A Banda de Música do 20º BC tocou belas músicas durante a cerimônia elegante. Depois da cerimônia, ao sair da Igreja, os colegas do Exército fizeram a abóbada de aço com as espadas cruzando no ar, uma tradição no casamento militar.

Passaram-se 53 anos daquele casamento alegre, bem humorado. É preciso boa dose de amor e de tolerância para se passar 53 anos juntos. Nada é fácil, não houve céu de brigadeiro o tempo todo. Apareceram algumas turbulências e até rotas de colisão. Durante todo esse tempo nós construímos um belo patrimônio: três filhos e três netos, além de genro e nora.

Nesses anos de convivência tornei-me admirador dessa professora que aos 40 anos resolveu enfrentar um vestibular de Direito, formou-se e montou um escritório de advocacia. Essa advogada passou quase dois anos sem folga, sem sábado e domingo, estudando e passou no concurso de Promotor de Justiça. Essa mulher atarefada que arranja tempo para dedicar-se aos filhos e aos netos. Essa mulher que trabalha com amor e alegria e possui uma felicidade intrínseca e encantadora. Essa mulher forte que não se deixa pisar. Essa mulher que gosta de bons livros, de bons filmes, teatro, música, show e da cultura popular. E incentiva minhas loucas invencionices. Essa mulher animada que cai no passo atrás de um bloco de frevo nos dias de carnaval. Essa mulher que gosta de viajar perambulando pelo mundo, Cartagena, Praga, Berlim, Nova York, Barra de São Miguel, Paraty, Lisboa. Essa mulher que nunca deixou de ser professora, ensinando aos netos, dando palestras nas Igrejas e nas Festas Literárias do Brasil afora. Essa mulher que move montanhas defendendo seus direitos, como uma loba defende seus filhotes. Essa alegre mulher que ama as colegas de colégio e infância e conserva o carinho de suas amigas em encontros e almoços, aproveitando essa bonita e última fase madura da vida.

Essa menina que um dia encontrei em flor de seus 15 anos num acampamento de Bandeirantes, e eu Tenente, cantei pra ela: “Ôh Galeguinha você é tão bonitinha… engraçadinha… vou me casar com você”. Sou um homem privilegiado, a única pessoa no mundo que a conhece profundamente, sua gentileza, sua bondade, sua perseverança, sua força. Essa minha mulher-amante, foi e é a timoneira do barco de nossas vidas. Ela aprendeu a remar com o tombo do navio, com o balanço do mar. Navegar foi preciso. Essa mulher segurou forte o leme durante os maremotos. Hoje navegamos apenas em calmaria, enxergando, ao longe, outros mares, um porto final além do horizonte.

A inexorabilidade do tempo é fatal, qualquer dia desse eu parto para o além do horizonte. Quando eu não estiver mais a seu lado deixarei lembranças e quero que saiba que ela foi a razão do meu viver. Amar para mim, foi uma religião. Em seus beijos eu encontrei o calor e a paixão.

É uma história de um amor que me fez compreender todo o bem e todo o mal. Quando eu for embora, que se lembre de mim com alegria, cantando: “Já não estás mais a meu lado coração…”.