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O natal que me habita

25/12/2022
O natal que me habita

Dezembro, férias de verão, as festas natalinas faziam a alegria da moçada na Praça Sinimbu ou Praça da Faculdade (Afrânio Jorge). Armavam-se rodas gigantes, barquinhos, tiro ao alvo, alguns palcos para folguedos natalinos rolando por toda noite. As mocinhas desfilavam na calçada em torno da praça enquanto os jovens de blusa gola roulê paqueravam as jovens que passavam num doce balanço a caminho de uma esperança de namorados. Um forte alto-falante anunciava produtos patrocinadores e enviava recado a CR$ 2,00 (dois cruzeiros). Num som gutural o locutor falava enfático: “Alô, alô, Aninha Amorim, você é a garota que mais brilha nessa festa; assinado, você já sabe!”. “Alô, alô menina do vestido de bolinha azul, estou lhe esperando atrás da Igreja às nove horas.”

Época dos namoros bem comportados no portão de casa ou nas festas de clubes descobrindo o prazer de dançar. Música suave excitante, blues e jazz americanos ou baião.

Nas festas de rua, construíam-se a Nau Catarineta, uma carcaça de navio de barro (taipa) no centro da praça, especialmente para dançar a Chegança; folguedo proveniente da Península Ibérica, auto de tema marinho contando as dificuldades da vida marítima, as tempestades, o contrabando, as brigas entre marujos e entre cristãos e mouros. Alguns personagens marcantes da Chegança: o Almirante, o Padre e o Cozinheiro.

Mané das Cachorras, pintor de parede, todo ano era brincante de Almirante na Chegança. A partir do dia 1º de dezembro até terminar a Festa de Rua na Praça Afrânio Jorge no dia de Reis, 6 de janeiro, ele vestia a  farda de Almirante quando acordava, perambulava pelas ruas, se sentindo o próprio Almirante de Marinha. Só tirava a farda para dormir. À noite, depois de dançar o folguedo, quem quisesse encontrá-lo era só aparecer no Cabaré da Railda, estava ele fardado de Almirante junto a seu xodó, a Joaninha Boca de Fole.

Em outro palco havia a maior atração, o Pastoril, dança folclórica natalina formada por duas colunas de pastoras, cordão azul e cordão encarnado. As duas torcidas vibravam na plateia, maior competição. No final da Festa, era declarado o cordão campeão quem vendesse mais votos.

As pastoras, com fantasias singelas, saias rodadas, entravam cantando a primeira jornada: “Boa noite, meus senhores todos… Boa noite, senhoras também… Somos pastoras, pastorinhas belas… que alegremente vamos a Belém…” A primeira pastora do encarnado era a Mestra; a primeira pastora do azul, a Contra Mestra. Entre as duas, a Diana, fantasiada de azul e encarnado cantava batendo no seu pequeno pandeiro: “Sou a Diana… Não tenho partido… O meu partido são os dois cordões…”

Nós jovens, na puberdade, nos intervalos entre as jornadas, chamávamos em cena uma pastora, alguma bonitinha, já moça feita. Ela entrava dançando ao som da música. No palco, colocávamos uma cédula com alfinete, como quem prega uma medalha. Nós gritávamos de emoção: “Viva o cordão encarnado!”, descíamos felizes da vida, excitados, sentindo ainda a jovem em sua mão.

Existe uma enorme diversidade de folguedos natalinos em Alagoas. O professor, pesquisador Théo Brandão, catalogou 36 tipos de grupos folclóricos. Guerreiro, Reisado, Boi, Coco de roda, Baiana, Taieira, Nega da Costa, Pagode, Fandango, Maracatu, entre outros.

Por tudo isso, dezembro me encanta, alguns acham o natal triste, ao contrário, meu natal é alegre, festivo. No mês de dezembro minha casa é decorada com um tema folclórico, inclusive a árvore de natal. Esse ano, o tema é o Reisado, auto popular, formado por grupos de brincantes fantasiados, músicos, cantores que vão de porta em porta, anunciar a chegada do Messias, homenagear os três Reis Magos e fazer louvação aos donos das casas onde dançam, em troca de bebida e comida.

Tornou-se tradicional o café em minha casa na manhã do 24 de dezembro oferecido aos parentes e alguns amigos. Café nordestino com muita poesia, música, depoimentos, orações, dança o guerreiro a alegria reina nos abraços, beijos, gentilezas. Meu natal é o dezembro, é o verão que me habita.