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Uma cerimônia sem muita cerimônia
Uma xícara de café sempre é uma boa pedida. Não importa a hora, repito, não importa a hora, café sempre é uma boa companhia. Estejamos tristes da vida, ou imersos na mais efusiva alegria, essa bebida sempre cai bem, até mesmo para aqueles que se dizem indiferentes a tudo e a todos.
Um velho amigo meu me dizia, sempre, que uma casa que exala aquele cheirinho de café, passado na hora, é uma casa que transpira alegria. Assim ele dizia, sempre. Porém, de minha parte, não digo isso neste tom.
Não digo que o aroma do café recém coado não possa fazer uma cara aborrecida e amarrada sorrir, nada disso. Creio apenas que o ato de passar um bule de café encontra-se em meio a uma teia de relações humanas muito mais ampla e profunda. Dito de outro modo, gosto de acreditar que há toda uma espécie sociologia presente neste gesto tão simples quanto acolhedor.
Quando recebemos a visita de uma pessoa que queremos bem, ou quando apenas nos reunimos com nossa família, ou mesmo quando recebemos aqueles que apenas nos visitam por razões sem muitas explicações, sem nada perguntar, nos deslocamos para a cozinha e convidamos o recém-chegado a se achegar para continuarmos com a prosa, enquanto passamos um abençoado café – de preferência num coador de pano – e arrumamos as “misturas” que irão acompanhá-lo. Essa ocasião, onde amigos e ilustres desconhecidos sentam-se junto à mesa, é um momento de concórdia, de partilha, de confraternização, de ação de graças.
Muito antes de se começar a falar pelos quatro cantos desse mundão de meu Deus em “happy hour”, no Brasil profundo já se realizava algo similar. Digo similar porque, o cafezinho de fim de tarde, e de todas as ocasiões, é muito mais profundo e humano do que o modernoso “happy hour” dos idos contemporâneos.
Junto à xícara, com seu calor cafeinado, a vida passa mais vagarosamente. Melhor! Junto dela, a vida liberta-se, mesmo que apenas por alguns instantes, do ritmo frenético do dia a dia para assentar, calmamente, a poeira que foi levantada no correr das horas.
E o calor da infusão aquece o coração, refina a palavra e estimula-nos a soltar os laços que prendiam o verbo para nos sentirmos à vontade e falarmos, com o nosso coração nas mãos, para aqueles que têm ou não morada junto do nosso peito.
Se o japoneses tem a sua cerimônia do chá, nós, aqui no interior do Brasil, temos o café sem cerimônia alguma que, à sua maneira – sem muitas maneiras, mas com muito recato – nos permite ser um cadinho mais zen, infundido de forma muito sem-vergonha alguma paz de espírito em nosso coração, apesar de estarmos a léguas de distância da tradição budista.
Nelson Rodrigues, grande mestre de nossas letras, que de budista não tinha nada, cultivava nos jornais onde trabalhou o hábito de escrever por trinta minutos e parar para tomar um cafezinho, fumar um cigarrinho e, às vezes, para comer um pãozinho com manteiga, antes de retornar para sua máquina olivetti.
Quando ele fazia isso, sempre convidava alguém para ir junto, por duas razões: para ter com quem assuntar e, é claro, para que o convidado lhe pagasse o cafezinho, o pão com manteiga e lhe empresta-se um cigarro [Pois é. Que barbaridade].
Era nesse ritmo que ele seguia o seu dia a dia, trabalhando durante o dia em suas crônicas e, à noite, em suas peças de teatro. Se há alguma relação entre o café e o timbre, forte e incomum, de suas letras, francamente, não sei dizer, mas ele, como bom brasileiro que era, estava fortemente envolvido por esse rito sem cerimônia alguma que se vive em torno da bebida que, em tempos imemoriais, nasceu nas terras da Etiópia.
Faça chuva ou faça sol, estejamos em boa companhia ou sós, tristes ou contentes, nunca nos esqueçamos de pedir um café, numa xícara de louça, sem açúcar e quente, mas não muito, porque não há nada melhor para aprumar a calma que muitas vezes quer escapar dos átrios do nosso peito, não existe nada mais forte para aquentar os dias frios da nossa rotina diária e, até o momento, não se inventou nada mais interessante que uma boa xícara de café para dar um tempo e nos ajudar a ordenar as nossas esperanças quando as coisas parecerem estar por um fio.
Enfim, não se faça de rogado e dê um tempo ao tempo, encontre um momento, qualquer um, para uma xícara de café. Não sei se merecemos isso, mas, com certeza, sua companhia nos fará muito bem.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela
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