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O grande imperador que era um pequeno ditador

09/12/2022
O grande imperador que era um pequeno ditador

Gilberto Freyre nos ensina que para podermos compreender de forma razoável um acontecimento histórico, ou um fenômeno social, é de fundamental importância que procuremos, primeiramente, nos permitirmos ser envolvidos pelos fatos que dão forma ao furdunço, ao ponto de nos impregnarmos com seus odores, para em seguida nos distanciarmos dos mesmos e, desse modo, podermos, sob novos ares, refletir com a devida e indispensável serenidade a respeito daquilo que apreendemos e, desta maneira, tirarmos algumas conclusões provisórias.

Aliás, na maioria das vezes elas, as conclusões, acabam sendo sempre temporárias num primeiro momento para, com o passar do tempo, e a partir de novos estudos e reflexões, possamos chegar a uma conclusão mais sólida a respeito do assunto que tornou-se o centro da nossa atenção. Mas lembremos: sem o devido tempo para o aprofundamento de nossa compreensão, isso torna-se praticamente impossível. É fundamental, sempre, darmos tempo ao tempo.

E é aí que a porca torce o rabo, e torce bonito, porque muitíssimas vezes, nós nem mesmo nos distanciamos dos entreveros para refletir e, infelizmente, por conta disso, acabamos por não dar o devido tempo ao tal do tempo para amadurecermos nosso entendimento sobre aquilo que acabamos de nos informar e, bem desse jeitão, terminamos por transformar algumas “impressões imprecisas”, que nem tiveram a oportunidade de se tornar uma conclusão transitória, em uma certeza rasa, definitiva e irrevogável.

Bah! Quantas e quantas vezes nós acabamos por cair numa esparrela dessas? Quantas e quantas vezes tivemos a decência de admitir que caímos nesse tipinho de arapuca? Melhor não responder, não é mesmo? Sigamos em frente então.

E para seguirmos adiante, me permitam recorrer a um exemplo histórico, que está há uma certa lonjura do momento atual em que estamos vivendo, para ilustrar o que estou apontando com meu dedo sujo nesta escrevinhada. Refiro-me aos imperadores Antoninos, mais especificamente, ao imperador Marco Úlpio Nerva Trajano.

Trajano foi o maior de todos os imperadores romanos. Muitos disseram isso dele. Muitos. Primeiramente, o próprio senado da “Cidade Eterna” afirmou isso e, posteriormente, Santo Tomás de Aquino, Dante Alighieri e, é claro, muitíssimos historiadores declararam o mesmo a respeito dele através dos séculos e, esse reconhecimento, deve-se a uma penca de razões, mas, principalmente, devido a duas em particular.

A primeira, por conta dos seus feitos políticos e conquistas militares que, diga-se de passagem, foram, como dizem os guris, fenomenais. Segundo, porque Trajano era um governante romano profunda e sinceramente preocupado com a sorte da vida dos romanos, tanto que muitas de suas obras tiveram por finalidade atender as demandas básicas – e algumas não tão básicas assim – da população.

Enfim, como havíamos dito, ele era um dos cinco imperadores antoninos, os cinco imperadores bons de Roma. Os outros quatro foram: Tito, Nerva, Adriano [filho adotivo de Trajano], Antonino e Marco Aurélio [o imperador filósofo, ou o filósofo imperador, se preferirem chamá-lo assim].

Obviamente, qualquer personalidade histórica vista de longe pode acabar sendo idealizada como uma figura sumamente boa, ou como sendo um personagem sinistramente mau. Seja de um jeito ou de outro, qualquer idealização histórica acaba, sem querer querendo, falseando nossa percepção da realidade e isso, obviamente, não é nem um pouco legal. E o caso Trajano não é uma exceção a essa regra.

Digo isso porque, quando olhamos mais de perto os anos da história de Roma que tiveram esse figurão à sua frente, iremos constatar, num piscar de olhos, que as tretas não eram pequenas e que nem tudo foi só boniteza, tendo em vista que numa vida humanamente vivida, nem tudo é uma belezura. E isso não é o fim da rosca, de jeito maneira, porque é no contraste entre a luz e as sombras que captamos a verdade. É entre as feiuras e as lindezas que encontramos a formosura de Clio, a musa da história.

E vejam só como são as coisas: ao final de sua vida, ele, Trajano, estava pelejando contra os partos, que haviam tomado o trono da Armênia que, naqueles idos, era um “Estado tampão” romano. Trajano, quando soube disso, virou num Jiraya e, com sua intervenção, a Armênia tornou-se uma província romana. Xeque-mate. Mas o entrevero não acabou aí não.

Feito isso, as legiões romanas continuaram marchando sob sua liderança para o leste e anexaram a Mesopotâmia, pois seu objetivo era conquistar o Império Sassânida. Mas essa última conquista não foi mole não e durou muito pouco. Não demorou muito e a galerinha que vivia entre os rios Tigre e Eufrates viraram no “guede” e se revoltaram contra os romanos e, neste entrevero, Trajano quase foi parar no colo de Plutão (Hades). Quase, mas não foi dessa vez. Na verdade, não demorou muito para ele partir desta vida.

Voltando ao ponto do conto: e se isso não bastasse, outras revoltas acabaram eclodindo em outros territórios dominados pelos romanos, fazendo o Ki-suco ferver bonito para o lado dos legionários comandados pelo imperador Antonino, levando-o a lutar uma série infindável de duras batalhas no fim de sua vida.

Ou seja, o maior dos imperadores romanos não apenas teve de enfrentar uma série de problemas que, em alguma medida, foram o resultado direto de suas ações, como também, acabou por orquestrar algumas marmeladas épicas que aceleraram a chegada do seu fim que, diga-se de passagem, foi melancólico.

Ele acabou morrendo no meio do caminho quando retornava dessa sua última campanha militar. Retornou desanimado, macambúzio, pesteado e, bem provavelmente, pau da vida consigo mesmo e, nesse retorno, por conta da doença que o afligia, ele deixou os palcos desse mundo. O homem que almejava ser maior que Alexandre, o Grande, acabou sendo apenas Trajano, o que, por sua deixa, já é muita coisa.

Obviamente, ele era visto por muitos de sua época como um vilão, especialmente pelos povos que foram conquistados pelas legiões comandadas por ele, da mesma forma que ele era mal visto pelos seus desafetos políticos, o que é mais do que compreensível. Por outros era encarado como um babaca poderoso, ou como algo com esse tipo indigno de feição e, por muitíssimos, como sendo um cara phoda pra caramba, merecedor de todo o respeito e admiração.

Enfim, não é preciso idealizarmos personagens históricos para aprendermos algo de valor com eles, também não é necessário que louvemos essas figurinhas e figurões para admirá-los e aprendermos alguma coisinha com suas aventuras e desventuras. Basta apenas que vejamos os sujeitos históricos como eles são: seres humanos com seus dilemas, interesses, ambições, fraquezas e tormentos, como pessoas que procuraram viver suas vidas da melhor forma possível e, por isso, acabaram por cometer muitíssimos erros, muitos, que aí estão, estampados nas páginas da história, da Mestra da Vida, para nos advertir, para que não ousemos voltar a fazer as mesmas besteiras em nossos dias se, é claro, isso for de nossa vontade.

É isso. Fim de causo.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela

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