Artigos

O patinho feio

20/11/2022
O patinho feio

Leninha, adolescente, rosto magro, rosado e sardento. Sorriso constante nos lábios. Olhos oblíquos, castanhos, vivos, não ficavam parados. Olhos de criança trelosa, de menina alegre e feliz. Gostava de jogar ximbra, pião, rouba-bandeira. Corria como ninguém. Era a sapeca do bairro de Fernão Velho. Subia em amendoeiras, jaqueiras, nas goiabeiras da redondeza. Parecia estar sempre correndo. Na lagoa, dentro de um maiô apertado, era a líder das meninas, embora gostasse mesmo era de jogar futebol com os meninos. Dentro d’água, ninguém batia, era a mais veloz. Deixava meninas e meninos para trás com suas braçadas contínuas e rápidas. Todos no bairro gostavam daquela diabinha travessa que vivia para brincar, correr e sorrir.

Certa vez pediu para a mãe ajudar no vestir. Queria ficar bonita, estava ficando uma moça, com seios crescidos. Fora convidada para uma festa muito especial.

Rômulo, um rapaz da vizinhança havia passado no vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica em São Paulo, exame difícil.  Um sonho de todos os jovens daquela época. A família de Rômulo resolveu dar uma festa de despedida em sua bela casa.

Festa histórica. Compareceram todos os vizinhos, familiares, amigos, comemorando o feito de Rômulo. Tocou a “Jazz-band” do brioso 20º Batalhão de Caçadores. A animação, apesar da despedida, foi o ponto alto. Todos se divertiram, beberam, brincaram, comemoraram até o dia amanhecer.

Leninha com um vestido rodado branco bem cintado, se policiava, freando a vontade de correr, de fazer bagunça naquele casarão. Queria parecer uma moça madura, se continha.

Ela tinha uma paixão infantil-adolescente por Rômulo há muito tempo. Quando estavam na lagoa, corria sempre em sua direção para ser notada. Rômulo nem se dava conta de perceber aquela menina. Às vezes em alguma brincadeira ele, em tom de gozação, chamava-a de menina serelepe. Leninha ficava fula de raiva. Mas a paixão não se pode evitar, coisas do coração.

Em seus devaneios românticos, nos intervalos de suas estripulias, ela sonhava ser uma artista de cinema: Rômulo lhe abraçando dizendo que lhe amava e eram felizes para sempre. Sonhos juvenis.

No dia da festa ela se fez bonita, mas sua estampa de menina magra e desajeitada, não ajudava.

Em certo momento Rômulo chamou Leninha. Ela veio toda frajola. Ele apresentou um menino de 12 ou 13 anos:

– “Esse meu primo quer brincar, como você é a serelepe daqui, vá brincar de pega com ele”.

Ela não aguentou. Aquilo era uma humilhação. Retrucou na hora.

– “Não sou serelepe, nem menina. Já sou uma moça e não vou brincar com esse pivete não”.

Rômulo gozou Leninha, chegando à ofensa:

– Você é menina sim. Ainda não tirou o mijo das calçolas. Sua Bostinha!!!

– Leninha ficou uma fera, a raiva subiu para cabeça, gritou:

– Vá para o inferno, Bostinha é sua mãe. Quero que você caia de um avião e morra!!!

Leninha partiu correndo. Com lágrimas contidas chegou em casa. Sua mãe notou que ela voltava cedo, perguntou o que havia acontecido. Ela simplesmente deu boa-noite, foi para seu quarto. Só adormeceu quando o dia clareou. Chorou toda noite ouvindo as músicas da festa, pensando na grossura e na saudade de Rômulo que embarcava naquela manhã para São José dos Campos.

O ano custou a passar. O tempo só é rápido quando existem divertimentos, alegrias e felicidades. Para Rômulo foi difícil.  Ano de muito estudo, muita ralação, muita luta. Com notas razoáveis ele passou em primeira época. Retornou a Maceió de férias, no final de dezembro.

Houve festa em sua chegada. Seus pais convidaram os amigos e vizinhos. Muita bebida e comida. Rômulo feliz da vida em estar com sua bela família e ser o alvo da atenção de tantos amigos.

De repente Rômulo notou ao longe uma bela mulher. Estava de costas, o rosto aparecia de lado, seu perfil lhe era familiar. Bela jovem. Chamou sua irmã e perguntou quem era a distinta de vestido branco.  Rose deu uma gargalhada perguntando se tinha certeza que não conhecia. Ela dirigiu-se até a jovem misteriosa, cochichou alguma coisa no ouvido e veio conduzindo pelo braço a menina-moça. Quando Rômulo a viu de frente e de perto se encantou. O coração bateu forte como nunca havia batido por ninguém. Rose apresentou sorrindo.

– Quero que conheça minha amiga.

Encantado olhando nos penetrantes e ternos olhos da jovem, ele estendeu a mão, falando com brandura:

– Prazer, Rômulo.

A jovem apertou sua mão gentilmente e respondeu sorrindo:

– Muito prazer, Bostinha!!!!

Só nesse momento Rômulo reconheceu e compreendeu que era Leninha, sua vizinha, a menina sardenta serelepe. O patinho feio havia se transformado em uma linda cisne branca.

Passaram o resto da noite conversando. No final da semana os dois estavam namorando de mãos dadas na praça de Fernão Velho. Era o início da mais bonita paixão naquelas férias de verão, tendo o sol, o céu e a lagoa como testemunha.