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O verdadeiro camelô da cultura

07/11/2022
O verdadeiro camelô da cultura

Outro dia novamente encontrei Jesualdo, começamos a conversar e ele foi contando histórias de sua vida, das formas como desde cedo, sempre encontrava diferente modo para ganhar algum trocado, quase sempre levando vantagem, e assim podendo frequentar ambientes por ele desejados.

Lembrou da época em que cursou universidade em Recife, residindo nas redondezas da Avenida Conde da Boa Vista, em um edifício batizado por Pirapama.

Foi explícito ao afirmar, saber que para ganhar, tinha que investir. Assim sendo, mantinha alugado um apartamento em seu nome, e por ser ele veterano na cidade, sempre encontrava jovens alagoanos, recém aprovados no vestibular, que chegando à Mauríceia, ainda sem alojamento definido, facilmente eram seduzidos a tornarem-se inquilinos do seu endereço, por sinal, muito bem localizado.

O imóvel possuía, dois quartos, uma cozinha, banheiro social, sala de jantar/estar. E ainda oferecia uma cozinheira chamada Brigitte: altura mediana, cabelos tipo espiga de milho, quarenta e cinco quilos de peso, boca torta para um lado, e por ser banguela de dois dentes frontais, dali sempre escorria certo líquido pastoso, apesar de tais detalhes, era pessoa tão repleta de bondade que conseguia espantar a sua feiura:

Jesualdo como líder do grupo, era também o responsável por quitar os gastos, e assim recebia a taxa de manutenção de todos ainda no início do mês, quantia supunha-se suficiente para comprar alimentos e quitar outros compromissos, mas o dinheiro nunca chegava ao dia vinte, sendo solicitada taxa extra para complementar os gastos. Coincidentemente, sempre nesse período ele surgia com tênis, camisas, calças e outros artefatos novinhos em folha.

Dentre as vantagens do apartamento, duas se destacavam:

Os moradores podiam, no jantar, repetidamente degustar, cuscuz de milho, café, ovos e também Brigite duas vezes por semana, em horário a combinar, só que para usufruir do último item do cardápio, deveria entregar certa quantia para Jesualdo.

Especial mesmo era o fato de que a moradia, ficava voltada para aposento de outra habitação, onde se podia com a maior clareza enxergar cinco mocinhas, também estudantes universitárias, as quais impreterivelmente as dezessete horas, chegavam da escola e logo tiravam as roupas para o banho, e depois descansavam extremamente bem à vontade, algumas só de biquíni e bustiê. Uma loucura inesquecível.

Jesualdo que de tolo não tinha nada, quando o ap estava vazio naquele horário, alugava a janela indiscreta, da qual se via maravilhas, sem ser visto, para outros colegas do curso, que pagavam para irem até lá e ficar corujando por algum tempo. Só faltavam morrer de agonia e alegria. O pior é que nesses dias, a parede do observatório adaptado, tinha que ser bem lavada, de tanto ser esfregada durante a sessão espia.

Jesualdo, nas horas vagas também vendia gabaritos de provas que conseguia com funcionários dos departamentos, trabalhos prontos enfocando assuntos diversos e também etiquetas para matricula em disciplinas nas quais o aluno não possuía pré-requisito. Era um verdadeiro camelô da cultura.