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A vizinha da Ponte Verde

23/10/2022
A vizinha da Ponte Verde

Mário Cândido nasceu e morou toda a vida no bairro do Tabuleiro do Pinto, perto do aeroporto. Quando os filhos cresceram pressionaram o pai a se mudarem para orla, local mais alegre e mais divertido.

Cândido comprou um apartamento na praia Ponta Verde. Para família foi uma alegria, para ele um sacrifício. Trocou uma casa confortável de 300 m², com enorme jardim de muitas rosas, orquídeas penduradas em frondosa mangueira e um quintal que mais parecia um bosque de tantas árvores, por um apartamento de três quartos de 150 m². Mas, a família acima de tudo. O casal ficou com uma suíte, os dois filhos ocuparam os outros quartos e transformaram uma pequena área da sala em gabinete, onde Cândido colocou um computador para trabalhar, escrever. Aposentou-se dos Correios, onde passou mais de 30 anos, estava em tempo de desfrutar a merecida aposentadoria. Como é um homem disposto, a ideia é passar um ano de pernas para o ar, depois continuar o trabalho de venda de imóveis, sua outra ocupação.

Pela manhã caminha na orla, encontra amigos, fica a conversar numa rodinha até às 9 horas, olhando as pernas de quem vive pelas praias coloridas pelo sol. Finalmente dá um mergulho e algumas braçadas antes de subir ao apartamento. Preenchem as tardes no shopping, cinemas, livraria; gosta de ler. À noite, depois dos Jornais da TV, Cândido se recolhe ao escritório, entra no computador para pesquisar, enviar e-mails aos amigos, conversar com mulheres nos chats e escrever. Já plantou várias árvores, tem dois filhos, agora cismou em escrever um livro narrando passagens de sua vida. Da sua cadeira em frente à bancada do computador, tem uma ampla visão dos apartamentos do prédio vizinho. Às vezes ele desliga a luz, para apreciar melhor o panorama. Aprendeu quando serviu ao Exército: observar é ver sem ser visto.

Quando uma jovem chega da Faculdade por volta das 23 horas, ele se liga no encanto da moça. Ela é fascinante, estatura média, cabelos escuros, escorridos até o ombro, nariz um pouco achatado, lábios grossos. Seu corpo é um monumento, seios duros, pontiagudos, cintura fina. A bunda é delirantemente protuberante. Assim que ela chega, tira a roupa, se enrola numa toalha e vai ao banho. A melhor cena, que deixa nosso amigo Cândido excitadíssimo é quando ao chegar ainda molhada do banho, abre a toalha, nua, como Deus a fez, veste uma minúscula calcinha antes de deitar, de dormir. Ele fica num entusiasmo de adolescente. Muitas vezes depois dessa cena, ele vai direto ao quarto acordar sua amada Helena; ela que gosta, sem saber por quê.

Cândido investigou a jovem vizinha: o pai é veterinário, trabalha perto de Palmeira dos Índios. Só vem para a capital nos fins de semana.

Certo dia, ao cair da tarde, Cândido foi às compras de carro no supermercado. Ao longe, no ponto de ônibus, percebeu a jovem em pé, com os livros abraçados ao peito, esperando o ônibus. Ao cruzar os olhos, ela sorriu, Cândido freou o carro no reflexo. Perguntou sinalizando com o indicador se ela ia à cidade. A moça não se fez de rogada, deu alguns passos e entrou no carro. Como uma princesa sentou-se ao lado, a saia curta mostrava suas pernas maravilhosas. Deu boa noite, disse que ia para a Faculdade do CESMAC no Farol. Cândido mentiu, também ia para o Farol. Conversaram amenidades, mas o coração do jovem coroa estava disparado feito um menino. Afinal chegaram à Faculdade.

Naquela noite Cândido ficou esperando a chegada de sua musa, a vizinha de janela. Compensou a espera, a jovem ao entrar no apartamento, tirou a roupa bem devagar, com sensualidade arrepiante. Quem gostou foi sua esposa Helena quando ele a acordou e caiu desesperadamente em seus braços.

No dia seguinte, repetiu, Cândido passou à mesma hora pelo ponto de ônibus e frustrou-se. Dias depois, se emocionou quando a viu abraçando os livros. Freou o carro; ela entrou mais bonita que nunca. Laurinha, assim se chama, 19 anos, faz o curso de Direito no CESMAC, é mulher prática, pragmática, perdeu a mãe cedo, vive com o pai, levam uma vida de parcimônia. Em certo momento ela foi direta, sem dó, olhando Cândido dirigir o carro.

– Eu tenho a impressão que você está me paquerando. Eu percebo você toda noite na janela me olhando. Faço aquela cena de propósito. Tenho esse defeito, adoro que os homens me olhem.

Cândido não esperava por essa, estremeceu, tentou se acalmar virou o rosto, encarou-a, e deu um sorriso largo.

– Você é uma danadinha hein?

– Danadinha ou danadona, vou lhe fazer uma proposta indecente: saio com você, e você paga minha faculdade. Que tal? Pense. Estamos chegando, me pegue aqui mais tarde. Às 9:30 horas, depois de minha última aula. Estarei lhe esperando nessa esquina.

Cândido, emocionado, parou o carro. Ela desceu, acenou com os dedos sem olhar para trás.

O difícil foi arranjar uma desculpa para sair de casa às 9 horas àquela noite. Em certo momento ele arriscou um convite à esposa.

– Helena, está passando um filmaço no Cine Pajuçara. Topa assistir hoje?

Ficou esperando a resposta. Quando ela disse estar sem vontade, ele quase dava uma gargalhada de felicidade. Perguntou se incomodava de ele ir sozinho.

Às 9.30 horas da noite Laurinha se aproximou do local, ele já estava plantado. No motel quase teve um infarto de tantas manobras de amor.

O aposentado Cândido ficou com mais despesa no orçamento. Mas, feliz da vida, espera as tardes das quartas-feiras para ter sua universitária nos braços. E toda a noite não se cansa em observar, ao longe, a vizinha da Ponta Verde.